125 views 10 mins

Os 80 anos da Rádio Bandeirantes e a democracia no Brasil

em Colunistas, Geraldo Nunes
sexta-feira, 05 de maio de 2017
Homem de visão e coragem, João Jorge Saad, com a PRH-9, daria início ao que viria a se tornar o Grupo Bandeirantes de Comunicação. Na foto, sendo entrevistado pelo repórter Pedro Luiz Ronco.

Em São Paulo, a Rádio Sociedade Educadora Paulista foi a pioneira, sua inauguração aconteceu em 1923. Veio depois a Rádio Record que serviu de porta voz dos paulistas durante a Revolução Constitucionalista de 1932, mas seria a Rádio Bandeirantes, inaugurada em 6 de maio de 1937, a emissora que abriria seus microfones para a democracia na difícil passagem entre o período militar e o que se chamou de Nova República

Homem de visão e coragem, João Jorge Saad, com a PRH-9, daria início ao que viria a se tornar o Grupo Bandeirantes de Comunicação. Na foto, sendo entrevistado pelo repórter Pedro Luiz Ronco.

Antes que isso acontecesse toda uma trajetória se deu. Vicente Leporace, por exemplo, comunicador de multitalentos fez teatro e cinema e na Bandeirantes apresentou programas de auditório, tendo revelado para a música um grupo de jovens cantores cujos descendentes levam consigo o mesmo nome sugerido em carta por um ouvinte da rádio: Demônios da Garoa. Só depois Leporace se transformaria no importante analista político de um outro programa daquela casa, “O Trabuco”.

Quando a presença do público nos auditórios das emissoras entrou em declínio, com o avanço da televisão, a Rádio Bandeirantes foi se abrindo cada vez mais ao jornalismo. Vieram os “Titulares da Notícia”, sob o comando de Alexandre Kadunc, e o jornal “Primeira Hora”, no ar desde 1960, foi o primeiro grande noticioso da emissora. Quatro anos depois começaria o regime militar que impôs censura aos veículos de comunicação até 1978, quando houve um abrandamento também chamado de abertura política.

A partir daí, já sob o comando de José Paulo de Andrade, a Rádio Bandeirantes deu voz à sociedade civil que clamava, entre outras coisas, pela volta ao Brasil daqueles que haviam sido exilados pelo regime. Representantes de entidades como o Comitê Brasileiro pela Anistia e a Comissão de Justiça de Paz da Arquidiocese de São Paulo, expunham ao repórter suas reivindicações e tudo chegava aos ouvintes. Apesar do abrandamento do regime, medidas de exceção ainda vigoravam como o Ato Institucional n°5 que impedia qualquer tipo de manifestação, autorizando a polícia prender qualquer pessoa que atentasse por atitudes ou palavras contrárias ao regime instituído.

A emissora narrava os fatos, mesmo sob risco de ter sua concessão cassada. Vieram depois as greves do ABC e a Bandeirantes (então nomeada como ‘a mais popular emissora paulista’) continuava cobrindo tudo com destemor, tendo sido uma das primeiras a entrevistar o até então desconhecido presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Luiz Inácio da Silva, o Lula.

A Rádio Bandeirantes, já instalada em sua sede atual, no Morumbi, tinha um potente transmissor na Vila Vera, bairro paulistano vizinho a São Bernardo, proporcionando aos ouvintes da região acompanhar atentamente os relatos de repórteres acompanhando de perto os enfrentamentos da polícia com os manifestantes em um programa ao vivo nos finais de tarde, chamado “Ciranda da Cidade”. Hoje em dia, uma transmissão desse tipo é algo corriqueiro, mas naquela fase da vida brasileira, em um regime de ditadura, coberturas assim se constituíam grandes furos de reportagem.

Com o fim do AI-5, a 13 de outubro de 1978, viriam as eleições diretas para governador e o movimento das Diretas Já. A eleição de um civil à presidência da República, entretanto, ainda se daria por via indireta e Tanc

Vicente Leporace comandava 'O Trabuco', programa líder de audiência, que fez escola.

redo Neves seria o vencedor. Na véspera de sua posse marcada para o dia 15 de março de 1985, Tancredo Neves, que tinha 75 anos, passou mal e foi internado de madrugada com fortes dores abdominais. Os médicos disseram ter sido encontrada uma diverticulite, mas os problemas se agravaram no quadro pulmonar e houve uma hemorragia intestinal.

Tancredo foi transferido para o Incor, em São Paulo. Submeteram-no a outras 7 cirurgias. Na porta do hospital uma multidão se mantinha em vigília e entre as pessoas, nós, repórteres da Rádio Bandeirantes, se revezando 

Dentre os ministros escolhidos por Tancredo Neves, quero destacar o nome de Almir Pazzianotto, titular da pasta do Trabalho, não apenas por sua honestidade e competência, mas por um episódio acontecido durante uma entrevista que concedeu, naquele momento, ao ‘Jornal da Bandeirantes Gente’. Pazzianotto mostrava-se inclinado a avaliar uma reivindicação de alguns donos de jornais que defendiam o fim da necessidade do diploma universitário para o profissional de jornalismo.dia e noite. Isto seguiu até as 22 horas de 21 de abril de 1985, quando foi anunciada a morte do presidente eleito Tancredo Neves pelo seu porta-voz, Antônio Britto. Em seu lugar prosseguiria no cargo o vice-presidente já empossado, José Sarney, que manteve todo o ministério escolhido por Tancredo.

O apresentador, José Paulo de Andrade, assumiu a defesa da categoria, argumentando que o diploma ajudara a regulamentar a profissão e que a modificação daquilo que já havia sido estabelecido consistiria em um retrocesso. Na hora, o ministro manteve-se irredutível, su

Mestres da comunicação: Salomão Esper e José Paulo de Andrade.

biu o tom de voz e foi encarado a altura pelo apresentador. Daquele dia em diante, porém, e até o final de sua gestão, nada foi modificado por Pazzianotto em relação à profissão de jornalista, sinal que os questionamentos surtiram efeito. Essa nos pareceu, mais uma prova do jornalismo feito com coragem pela Bandeirantes.

Enfim, haveria ainda mais exemplos para citar a importância da Bandeirantes neste momento em que as mídias digitais avançam com a tecnologia. Ao contrário de outras emissoras dirigidas por pessoas medrosas que se dispuseram a fazer o chamado “jornalismo chapa branca” e que estão morrendo pelo caminho, a Bandeirantes, que ajudou a consolidar a democracia, agora cobre os assuntos que versam o combate à corrupção que assola o país. Os fatos continuam acontecendo e a Emissora, comemorando seus 80 anos, terá ainda muitas outras histórias para contar a seus fiéis ouvintes.

Entre os anos de 1984 e 1989, tive a satisfação de atuar como repórter dessa Emissora. Além das ‘Diretas Já’ e da triste saga envolvendo o final da vida de Tancredo, fui repórter setorista na sede da Polícia Militar, levando aos ouvintes, em um tempo onde não havia câmeras de segurança e nem a internet, informações sobre o tráfego das rodovias e as ocorrências policiais da Rota, Corpo de Bombeiros e outros setores da PM. Desastres, incêndios, homicídios, chacinas, catástrofes de todo tipo; mas também salvamentos, auxílios à comunidade, atendimento às parturientes; estes eram os meus assuntos.

Aprendi que o bom repórter não é apenas aquele que cobre os melhores assuntos, mas o que cobre bem, todos os assuntos. Acompanhei de perto o trabalho da PM, aprendi muito neste convívio com policiais e hoje me orgulho disso. Foi na Sala de Imprensa da PM que fiz uma homenagem dentro do “Pulo do Gato”, aos profissionais que me antecederam naquele setor, quando a Rádio Bandeirantes completou 50 anos, em 1987. Ao ser chamado, naquele 6 de maio, para a minha entrada, fiz questão citar os nomes dos repórteres que me antecederam no posto: João Batista Pinto, Ranulpho Rocha (o Sargento Ranulpho), Nelson de Almeida, Ivan Quadros e José Gil Avilé (o Beija-Flor), que abria seu noticiário dizendo: “Alô, gente! Polícia é notícia”.

Radio Bandeirantes 3 temporarioComo lembrança daqueles 50 anos, a presidência do Grupo Bandeirantes deu de presente a todos os funcionários um tijolinho dourado como símbolo de agradecimento pelo trabalho desenvolvido na construção daquela empresa de comunicação. Guardo esse tijolinho comigo de lembrança, um pouco do meu trabalho engrandece a história dessa rádio.

Para mim, até hoje, quando o assunto é Rádio Bandeirantes, alguma coisa acontece em meu coração.

(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).