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Quando o mundo vira palco, o silêncio vira resistência

em A Outra Sala
terça-feira, 22 de abril de 2025

Ana Luisa Winckler (*)

Sobre vozes abafadas em empresas, guerras televisionadas e a nossa urgência de escutar o que não viraliza.

Tem CEO que fala bonito sobre diversidade, mas não sabe o nome da moça que serve o café. Tem empresa que coloca filtro de paz no Instagram, mas demite em massa com frase pronta no e-mail. E tem liderança que reposta Gandhi no LinkedIn… enquanto responde “não é prioridade agora” para qualquer projeto que envolva humanidade.

No palco do mundo, todo mundo quer parecer consciente. Mas quem escuta — de verdade — o que não viraliza?

Enquanto você lê esse texto, há conflitos acontecendo em mais de 30 países,

Enquanto você lê este texto, o mundo grita em mais de 30 países ao mesmo tempo, segundo o Global Conflict Tracker¹. Mas por aqui, seguimos debatendo se “colaborador engajado” tem cara de happy hour ou de pesquisa de clima. A ISMA-BR² aponta que mais de 60% da população está esgotada emocionalmente. E ainda assim, tem empresa pedindo resiliência como se fosse item do kit onboarding (boas-vindas corporativas). Isso raramente entra na pauta da reunião de segunda-feira.

Porque choro não gera KPI.
E silêncio não sobe nas apresentações de resultados.

Na psicologia, chamamos isso de dessensibilização afetiva: quando o excesso de estímulos dolorosos faz com que o sistema desligue. Vira “só mais uma notícia triste”, “mais uma demissão”, “mais um burnout no time”. No fundo, uma defesa psíquica. No raso, uma escolha política.

Nas empresas, essa anestesia vem vestida de eficiência.
Mas a verdade é que tem gente virando zumbi emocional para bater meta.

E enquanto o RH planeja a próxima campanha de engajamento, tem colaborador rezando para a próxima call ser cancelada — só para poder respirar sem se justificar.

Quando foi que escutar se tornou artigo de luxo?
Quando foi que a dor alheia virou distração de produtividade?

É por isso que o silêncio, hoje, é mais revolucionário do que muitos discursos. Silêncio que escuta, que acolhe, que resiste ao algoritmo. Porque no ruído do mundo, escutar é um ato de coragem.

E para os líderes, fica a provocação:
Não adianta falar de empatia no palco se você ignora o bastidor.
Não adianta contratar consultoria de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) se você ainda tem medo de conversas difíceis.
Não adianta parecer acessível se ninguém se sente seguro para discordar de você.

O mundo está gritando. E sua empresa está ouvindo o quê?

Porque no fim, não serão os posts de Dia da Consciência Negra, nem o webinar de saúde mental que contarão sua história.

Serão as micro decisões diárias: quem é ouvido, quem é silenciado, quem é valorizado… e quem é descartável.

No palco, todo mundo pode ser consciente.
Mas é nos bastidores que a verdade aparece.
E às vezes, resistir é simplesmente parar para ouvir.
Mesmo que doa. Mesmo que atrase a entrega. Mesmo que não esteja no escopo.

Porque escutar o que não viraliza… é liderar o que importa.

 

¹ Dados do Global Conflict Tracker (Council on Foreign Relations) – 🔗 https://www.cfr.org/global-conflict-tracker
² Pesquisa ISMA-BR sobre saúde mental no trabalho – 🔗 
http://www.ismabrasil.com.br/

Se sua empresa ainda acha que silêncio emocional é produtividade… talvez seja hora de rever as planilhas.

(*) Psicóloga, escritora e especialista em transformar culturas com afeto e coragem. Com mais de 25 anos de experiência em RH, do chão de fábrica ao boardroom, atua na criação de modelos mais humanos de liderança, aprendizagem e pertencimento. Na escrita, mistura ciência, poesia e provocação para abrir espaço ao que não cabe nas atas — mas muda tudo.