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O X da questão!

em Artigos
segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Jean Dunkl (*)

Dentre os diversos modismos que rondam o ecossistema empreendedor, se intitular curioso é um deles.

Basta alguma pesquisa apontar que empreendedores curiosos têm maior chance de sucesso e pronto. É importante ter um certo grau de curiosidade, mas isso não basta para que se obtenha sucesso. Vai além, no sentido mais amplo, quando falamos de empreendedorismo ser questionador é essencial. Crianças são curiosas, por terem um repertório ainda limitado precisam entender o que significa tudo à sua volta, quem aqui não passou pela fase dos porquês?

Já o empreendedor precisa ser questionador, entender por que as coisas acontecem da forma que fazemos hoje, mas não para criar um repertório e, sim, para encontrar lacunas, oportunidades que só os questionadores poderiam encontrar. É perguntar além do “por que”. Estou falando da curiosidade empreendedora, que é investigativa, profunda e seletiva. Não é superficial e precisa seguir uma metodologia.

Separar os assuntos por tópicos é um bom ponto de partida, depois disso vale a pena priorizar por grau de relevância e, a partir daí, definir a profundidade em que será investigado o tema. Dados organizados se transformam em informação, daí a grande descoberta das pesquisas. O que um empreendedor mais precisa? Grandes ideias nascem de questionamentos. Quais problemas o mercado enfrenta e que as empresas não conseguem resolver?

Os bancos falharam no relacionamento, não resolviam problemas pelos seus canais de atendimento, nas agências as filas eram eternas e ainda cobravam altas tarifas por um serviço nota zero realizado apenas 6 horas por dia. Os bancos digitais vieram com um modelo de negócios que gera valor exatamente nestes pontos, sem tarifas, sem agências, sem filas, disponibilidade 24 horas por dia e 7 dias por semana, com poucos problemas e, quando surgem, são tratados de maneira rápida e sem traumas.

Ao perguntarmos para um gerente old school, certamente teríamos como resposta que o problema estava nos clientes, que deveriam saber utilizar melhor “toda” a estrutura disponibilizada. Quem está em zona de conforto não questiona, por isso a importância de se desafiar constantemente, sempre olhar para dentro e para fora do seu negócio, independentemente de sua função ou cargo. As oportunidades estão em todos lugares, se diferencia quem consegue identificá-las. Alguns teóricos atribuem esta responsabilidade apenas aos gestores, eu não concordo.

Todos os envolvidos em um negócio, equipe terceirizada, fornecedores, colaboradores e até os clientes geram impacto nas atividades de uma empresa e, por isso, não só podem como devem manter o radar ligado, trazer boas práticas e sugerir melhorias. Ninguém melhor do que os próprios envolvidos para pensar em soluções úteis e aplicáveis. Caso contrário teremos mais daquelas mudanças pensadas pelos “engravatados do escritório” para “melhorar” a vida da linha de frente, geralmente essas propostas só trazem mais burocracia.

Certa vez me envolvi em um projeto, de uma grande instituição de fomento ao empreendedorismo, e um dos gargalos era a comprovação de que o trabalho em campo estava acontecendo de fato. Rapidamente, meia dúzia de gestores burocratas arrumaram planilhas e mais planilhas, cada uma com alguns anexos que permitiam provar e comprovar a realização dos trabalhos. Não bastasse a quebra da relação de confiança, os processos de relatório demoravam cerca de quatro vezes mais do que o próprio trabalho.

Rapidamente, cerca de 90% do quadro se desligou do projeto, inclusive eu. Se houve questionamento? Sim, diversos. Surgiram também propostas de soluções viáveis e muito mais práticas, mas as portas estavam fechadas para qualquer proposta de inovação. O que me mostrou que não basta questionar, tem que existir abertura para melhoria dos processos.

Gosto sempre de me questionar como o mercado está se comportando diante de determinadas situações, como os meus concorrentes reagem e se preparam, quais as dores e anseios do meu time, qual o sentido das entregas que realizamos para os clientes, a equipe, os fornecedores e o ecossistema, se existem formas de melhorar os processos. E essas perguntas já me desafiaram muito, me possibilitando corrigir a rota em diversos momentos.

É possível ter uma cultura organizacional questionadora, criando a prática da coleta de dados e deixando o ambiente propício aos questionamentos, criando metodologia de organização dos dados para que se transformem em informações e, por fim, proporcionando momentos de discussão das informações levantadas para que surjam possíveis soluções de melhoria e inovação. Neste momento, informações que pareciam soltas e sem sentido podem se encaixar.

(*) – É CEO da CPD Consultoria e da Espacio de Color, mentor em Gestão Estratégica de Negócios, gestor da Impera e voluntário da Singularity University
@jeandunkl.