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O preconceito contra a pessoa física na bolsa

em Artigos
terça-feira, 02 de março de 2021

João Beck (*)

A redemocratização da bolsa nos EUA só ocorreu com a entrada dos baby boomers no mercado.

Poucos dias antes da maior crise do planeta, um magnata ficou marcado na história ao vender todas as suas ações antes que o crash da Bolsa de Nova Iorque de 1929 incinerasse todo o seu dinheiro. E o insight da venda dessas ações surgiu a partir de uma conversa com o seu próprio engraxate.

Em 1929, Joseph Kennedy, pai daquele que seria o futuro presidente americano, se surpreendera com dicas de ações cedidas pelo próprio engraxate enquanto lustrava seu sapato. O Kennedy, pai, concluiu que aquele seria o momento ideal para vender todas as suas ações compradas ao longo dos últimos 10 anos e feito fortuna. A partir do fato de um engraxate se interessar pela bolsa, o magnata assumiu que o mercado se popularizou e por esse motivo ficou caro demais.

E ele acertou. A partir dali se iniciava a maior crise da história americana. Mas outro fenômeno se iniciara ali: o preconceito contra o pequeno investidor, o investidor de varejo, a pessoa-física na bolsa. O ’Crash de 29’ criou um trauma tão grande que afastou o grande público pelos 50 anos seguintes. A nova redemocratização da bolsa nos EUA só ocorreu novamente com a entrada dos baby boomers no mercado, no início dos anos 80. E seguiu crescendo com o surgimento das corretoras online sincronizado com as primeiras conexões residenciais da internet discada.

Apesar de intuitivo, a verdade é que não há qualquer relação entre a democratização da bolsa e o fato de ela estar sobrevalorizada. E, assim, podemos atribuir ao Joseph Kennedy nada além de sorte – e preconceito. Nos anos 80, a entrada da nova geração dos baby boomers fez o efeito contrário, e promoveu a alta mais sustentável de bolsa da história do planeta. Um gráfico de qualquer índice acionário norte americano mostra uma alta sólida e consistente nas décadas subsequentes.

A crise do subprime de 2008 que quase dizimou o mundo é um rabisco pequeno na linha de retorno dos anos 80 até os dias de hoje. O discurso contra a pessoa física retornou este ano de pandemia, quando investidores – vamos combinar: sem ter o que fazer na quarentena -, decidiram operar bolsa. Foi de tese acadêmica a capa de revista zombando dos traders neófitos. Todas repletas de verdades. Mas existe uma outra verdade.

A bolsa com diversidade de opinião e mais heterogênea entre seus participantes gera um mercado de preços mais justos. É inclusive um dos mecanismos de se evitar bolhas. Esse é o argumento dos principais teóricos que estudam a psicologia das opiniões coletivas, popularizado no livro ‘A Psicologia das Multidões’ do jornalista James Surowiecki. É bem desgastado o argumento de que a maioria dos investidores pessoa física não ganha dinheiro na bolsa.

A ‘maioria’ nunca é um sucesso: a maioria das ações não supera o Índice Bovespa; a maioria dos fundos de investimento retorna abaixo do seu próprio benchmark; a maioria das empresas fecha nos primeiros dois anos de vida; a maioria dos jogadores de futebol no Brasil ganha menos que um salário mínimo. E é essa a beleza do mercado. Que o sucesso seja raro e não óbvio. E assim nos motivamos para chegar ao lugar da minoria.

Quando ouvir dicas de bolsa do taxista, da doméstica ou do zelador do prédio, não precisa vender suas ações, tal qual Joseph Kennedy. Pode ser um início do ciclo na bolsa em que milhões ainda faltam aderir para atingirmos o nível mínimo satisfatório que nos coloque em linha com países de mercados maduros.

(*) – Graduado em economia pela UERJ, é especialista em investimentos e um dos sócios da BRA, um dos maiores escritórios credenciados da XP, com mais de 15 mil clientes.