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O Pato Donald já foi à guerra

em Tecnologia
quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Nestes tempos de conflitos, atentados e manifestações, somos submetidos pela mídia a um verdadeiro bombardeio, ficando muito difícil distinguir o que é informação, contra-informação ou simplesmente propaganda. Alguém disse que em situações como essas, a primeira vítima é a verdade.

Vivaldo José Breternitz (*)

Há algum tempo revi com grande prazer uma peça de propaganda produzida para o cinema. Propaganda assumida, mas de grande qualidade; não é porque se trata de propaganda que deve automaticamente ser qualificada como lixo, ainda mais quando se trata de propaganda de uma causa com a qual nos identificamos: a guerra às ditaduras, e no caso, à ditadura nazi-fascista.

Trata-se de um desenho animado produzido pelos estúdios Disney e lançado em 1943, ano em que ganhou o Oscar na sua categoria. Originalmente chamado “Donald Duck in Nutziland” (um trocadilho intraduzível, fazendo menção à loucura nazista), foi rebatizado “Der Fuehrer’s Face” ou “A cara do Fuehrer”, título da música tema.

Donald foi o personagem de outros desenhos animados de propaganda durante a 2a. Guerra Mundial, mas esse é meu predileto: tem cenas geniais, como as que mostram as dificuldades da vida diária na Alemanha em guerra, com Donald tentando fazer café amarrando um grão do produto num barbante e mergulhando-o em água quente, esforçando-se para comer um pão extremamente duro e borrifando aroma de bacon e ovos na garganta. Outras cenas mostram o clima de irrealidade e de loucura do nazismo, com tudo (árvores, casas, nuvens etc.) tomando a forma de suásticas.

Imagem: wikipedia.org

Porém, a sequência mais interessante é a que mostra o dia de trabalho do pato numa fábrica de munições: Donald tem que montar as bombas que passam numa esteira rolante, ao mesmo tempo em que ergue o braço numa saudação nazista dirigida à figura de Hitler pintada em cada uma delas. Chega a um ponto em que não consegue mais coordenar seus movimentos ou sequer parar de se mexer, numa feliz alusão ao processo de robotização a que eram submetidos os que trabalhavam para os nazistas.

Vinicius de Morais, que durante certo tempo foi crítico de cinema, escreveu um artigo elogiando o desenho, publicado no jornal carioca “A Manhã” de 5 de maio de 1943. Curiosamente, os estúdios Disney atualmente evitam mencionar ou de alguma forma exibir essa produção, talvez tentando ser politicamente corretos.

Finalmente, tudo termina bem: Donald estava tendo um pesadelo, e quando acorda está coberto pela sombra da Estátua da Liberdade… Liberdade que esperamos prevaleça para todos nós.

(*) Vivaldo José Breternitz, Doutor em Ciências pela USP, é professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.