Um conto de um case? uma história real de empreendedorismo em forma de conto.

em #tenhacicatrizes, Empreendedores Compulsivos
quarta-feira, 14 de setembro de 2022

PASSE AQUI AMANHÃ E PEGUE O CHEQUE.

Alessandro Saade (*)

Calma! Não é uma história nem de suborno e nem de propina.

Esta história se passou no final do século passado. Eu trabalhava exclusivamente para uma consultoria de negócios internacionais para a área de eventos. Trazíamos equipamentos de áudio, iluminação e vídeo para as produtoras de eventos e para os empresários de grandes bandas e cantores brasileiros. Um dos sócios da empresa rodava o mundo em busca de novidades e o outro fazia o networking com os clientes. Eu fazia com que tudo chegasse a tempo para ser usado nos shows.

Era um tempo divertido, dinâmico, com pessoas de cabelo colorido, roupa diferente, carros importados e muitos equipamentos inovadores e de altíssima qualidade. Por ser baterista e apaixonado por música, eu me encantava com tudo o que via. Fora que, volta e meia, surgiam cortesias para os shows internacionais mais procurados. Era bem divertido!

Tudo ia bem, mas aquilo já começava a me parecer uma rotina e tem duas coisas na vida que eu sou alérgico: pessoas do mal e rotina. Graças a Deus, ali só havia a segunda, mas havia.

Foi então que, numa manhã, um dos sócios da empresa me pediu para receber um amigo que precisava de orientação sobre como importar produtos para uma loja que estava montando. Logo cedo eu o esperava no escritório, próximo à Av. Paulista, quando o telefone tocou e ele me perguntou se eu poderia descer para conversarmos. Desci e, na porta do prédio, havia um lindo e enorme sedã importado e blindado. O vidro da porta de trás desceu e o empresário se apresentou.

Perguntou se poderíamos ir até o local onde havia alguns equipamentos. Achei estranho, mas entrei no carro.

Em duas horas no carro, ele me contou tudo sobre a operação de abertura da maior aposta do Grupo Pepsico no Brasil naquela época, a rede de lanchonetes KFC, da qual este empresário era o master franqueado. Falou das perspectivas, do desafio e da frustração de ter tudo retido. Falou que precisava muito da nossa ajuda e que o sucesso do projeto da empresa multinacional dependia do sucesso da primeira loja, tanto na agilidade da montagem e operação, quanto do resultado financeiro das vendas, que serviriam como balizador do mercado brasileiro, em comparação com o norte-americano e o mexicano. Uma enorme responsabilidade.

O carro parou, a porta abriu e estávamos no Porto de Santos, em frente ao armazém. Foi então que entendi que, antes da consultoria, ele precisava apagar um grande incêndio: a loja estava montada, a inauguração agendada, mas todos os equipamentos estavam retidos. Três contêineres de mercadorias paradas: fritadeiras, fornos, geladeiras, aventais, bonés, baldes, embalagens, tudo! Respirei fundo, fui apresentado ao despachante, que me apresentou ao fiscal como gerente de importação da rede de franquias. Autorizaram a minha entrada no armazém e, cinco horas depois, com muita conversa e nenhum dinheiro — que jamais aceitaria pagar —, cem por cento da mercadoria estava liberada e intacta. Minto. Quase tudo, pois, na hora de abrir uma das caixas para mostrar os molhos de nuggets para o fiscal, errei a profundidade do estilete e num só movimento destruí 10 sachês. Acidentes acontecem.

Voltei para o carro do empresário e, no retorno a São Paulo, eu o convenci a entregar a conta desse projeto para a empresa em que eu trabalhava. Não foi difícil, afinal, se o osso já estava roído, agora era a hora do filé. Ele prontamente aceitou, pois havíamos sido extremamente bem recomendados.

Seria perfeito se, ao retornar ao escritório, eu não tivesse recebido a notícia de que os sócios da empresa onde eu trabalhava havia decidido operar exclusivamente para um único cliente, um grande produtor de eventos.

Percebi que isso caminharia para uma rotina ainda maior de processos. Se for rotineiro, passo mal. Então, para o bem da minha saúde e sanidade mental, decidi sair. A única coisa que pedi foi a conta que havia acabado de ganhar para eles, que, de qualquer forma, já não iriam atender.

Então, no dia seguinte, com todo o meu repertório de negociação e discurso sobre empreendedorismo e oportunidades de negócios, fui ao escritório do master franqueado. Lá conversamos sobre tendências de mercado, burocracia no processo de importação no país, oportunidades de novos negócios, tanto para redes de fast food quanto para consultorias em negócios internacionais. Conversamos também sobre perspectivas específicas do negócio dele.

Havia 10 lojas para se montar em um intervalo de 18 meses, além do fluxo de reposição, que demandava mais contêineres para cada loja em funcionamento.

Em uma hora de conversa, expliquei que a empresa onde eu trabalhava havia mudado a forma de atuação, que os sócios haviam me autorizado a conversar com ele e que eu gostaria muito que ele fosse o meu primeiro cliente. Ele ficou todo animado com o meu perfil de jovem empreendedor, arrojado e coisa e tal. Aceitou e disse que havia gostado muito da minha postura, da minha atitude quando resolvi o problema no porto para ele. Acontece que meu escritório de consultoria, naquele exato momento, era o meu celular e eu.

Respirei fundo e dei minha cartada final: “Puxa vida, que bacana! Temos mais de 10 projetos para os próximos 12 meses, com mais de 30 contêineres!”. Então, agora que você é meu cliente, preciso lhe pedir um favor: que você me adiante o valor dos últimos projetos que faremos nestes 12 meses, para que possa montar meu escritório e, então, atendê-lo com o padrão que já conhece. A sala ficou em silêncio por alguns eternos segundos e, logo depois, uma ruidosa gargalhada foi ouvida por toda a empresa. “É isso que precisa para abrir a sua empresa e me atender? Passe aqui amanhã e pegue o cheque”.

Foi assim que começou uma das fases mais dinâmicas e divertidas da minha carreira de empreendedor, mas essa história fica para uma próxima vez.

(*) É Fundador dos Empreendedores Compulsivos, é também executivo, autor, professor, palestrante e mentor.  Possui mais de 30 anos de experiência atuando com grandes empresas e startups brasileiras, tornando-se referência no universo do empreendedorismo no Brasil. Formado em Administração pela UVV-ES, com MBA em Marketing pela ESPM e mestrado em Comunicação e Mercados pela Cásper Líbero, especializou-se em Empreendedorismo pela Babson College e em Inovação por Berkeley. Atualmente é Superintendente Executivo do ESPRO, instituição sem fins lucrativos que há 40 anos oferece aos jovens brasileiros a formação para inserção no Mundo do Trabalho.