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Máquinas que conversam

em Opinião
quinta-feira, 04 de fevereiro de 2016

Mauro Andreassa (*)

A propósito da quarta revolução industrial, assunto controverso no Fórum de Davos, parece que resta muito a fazer e a dizer.

Em nossas cabeças, o tema, também conhecido pelo nome de indústria 4.0, remete à automação e ainda é nebuloso para muitos dentro e fora dos muros da atividade econômica. Quando falamos de automação, pensamos logo em robôs com cabeça, tronco e membros, à nossa imagem e semelhança. Essa imagem vem se propagando por diversas gerações.

A palavra robô tem origem na checa robota, que significa trabalho compulsório, forçado ou escravo, e nasceu da peça R.U.R., do dramaturgo Karel Capek, datada de 1921, em que um robô humanizado faz um mundo de coisas em lugar do homem. No cinema, os robôs se imortalizaram em Metropolis, ficção científica impressionista alemã de 1927, dirigida por Fritz Lang, uma distopia que se passa em 2026 e revela Maria, um robô com formas femininas.

Quando o foco é produção, a manufatura 4.0 não é tão romântica. Mas, a julgar pelas profundas mudanças que poderá causar no modelo de negócios que conhecemos até aqui, vale a pena tentar entendê-la. As tecnologias que já habitam o chão de fábrica não são tão simpáticas quanto Maria, porém são extremamente funcionais. Os robôs vêm sendo substituídos por sensores que enviam sinais pela internet, delegando pequenas decisões a circuitos integrados de computadores cada vez mais cognitivos.

Vale reforçar que, como é típico nas revoluções, a manufatura 4.0 também nasceu na sociedade, a partir de mudanças de comportamento geradas nas crises. Hoje se propaga por toda a cadeia de valor eliminando desperdícios, reduzindo o tempo de produção e melhorando a qualidade, resultando no que chamamos hoje de economia de compartilhamento.

Diametralmente oposta ao conceito de sociedade de consumo, essa economia reforça o P2P (do inglês person-to-person), em que pessoas se relacionam diretamente eliminando intermediários, evitando desperdícios e reduzindo custos. Um bom exemplo dessa prática é o aplicativo Airbnb, que permite aos viajantes reservas de quartos diretamente com proprietários em busca de renda adicional. Outro exemplo, ainda polêmico, é o Uber, espécie de carona remunerada.

Senhoras e senhores, estamos falando aqui da tal inovação disruptiva, em pleno curso no lado do consumidor. Assim, enquanto a economia caminha pelo o P2P, a indústria corre para garantir que máquinas conversem com máquinas, dispositivos de inspeção conversem com máquinas e com outros dispositivos de inspeção, e peças troquem informações com outras peças.

A peça teve um processo errado? Um dispositivo inspeciona, enxerga o problema e avisa a próxima máquina, que por sua vez a rejeita. É a Internet das Coisas (do inglês, IoT – Internet of Things). Em analogia com a nossa casa, seria como se o microondas conversasse com a geladeira e ambos decidissem sobre o nosso hambúrguer congelado. É a visão de Peter Drucker se materializando diante de nossos olhos.

Em seu livro Sociedade Pós-capitalista, lançado em 1993, ele previu a transição da era Industrial para o pós-capitalismo quando a internet ainda estava na infância. Drucker enxergou o conhecimento genérico se deslocando para o especializado, fazendo com que a inovação acontecesse não de forma casual, mas organizada.

Ao que parece, é mesmo no ambiente disruptivo que a manufatura caminhará nos próximos anos, povoando o chão de fábrica de tecnologia, ciência e empreendedorismo. Uma revolução, de fato, liderada por “máquinas” que conversam.

(*) – É membro do Comitê de Manufatura, Logística e Qualidade do Congresso SAE Brasil 2016, South America STA Senior Manager Site da Ford, e professor no Instituto Mauá de Tecnologia.