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Covid 19 e a reforma tributária: qual a lição?

em Opinião
terça-feira, 19 de maio de 2020

Bruce Bastos Martins (*)

As políticas fiscais são instrumentos de enorme eficiência no aumento da renda do trabalho.

Mas, se é certo que a desigualdade social agrava-se quando o crescimento da renda do capital é maior do que o crescimento da economia, então o deslocamento da pressão fiscal para que se concentre sobre outras riquezas, como elevadas rendas, heranças e ganhos de capital, é a forma pela qual, no Brasil, poderíamos elevar o poder de compra das famílias, na sua maioria dependentes da renda do trabalho, cujo ato de consumo representa 63% do PIB.

A fim de compreender melhor os efeitos negativos provocados pela elevada pressão fiscal sobre o consumo, tomemos o exemplo da renda básica emergencial de R$ 600,00 para socorrer trabalhadores informais e autônomos isolados do mercado de trabalho por causa do vírus. Um recente estudo da FGV EAESP concluiu que este programa por três meses geraria 7,1 milhões empregos, bem como injetaria R$ 32,6 bilhões ao mês na economia, o que representa 1,3% do PIB brasileiro.

Isto porque praticamente todo recurso disponibilizado aos trabalhadores converte-se imediatamente em consumo de bens e serviços na economia. Para a maioria dos cidadãos brasileiros, consumir em vez de poupar é uma questão concreta de sobrevivência da sua família, e não de abrir mão de um sonho empreendedor. Em média 49% dos gastos com consumo são tributos. Então dos R$ 600,00 oferecidos, aproximadamente R$ 300,00 retornará aos cofres públicos na forma de PIS, COFINS, ICMS, IPI e ISS, todos tributos embutidos nos preços na forma de tributos indiretos.

Ou seja, ao invés de seguir circulando na economia gerando emprego e lucro, metade da renda emergencial dada com uma mão será retirado com a outra. Viver sob este cenário fiscal é prova de uma certa alienação da nossa cidadania, quando se sabe que para essas pessoas não ter R$ 300,00 para o consumo significa a falta de comida ou remédio no final do mês. O problema estrutural aqui é um baixo nível de renda para os cidadãos, o que causa a falta de demanda no mercado nacional.

O nível insustentável de endividamento das famílias, por exemplo, só é um sintoma da necessidade de crédito para complementar o salário corroído por nosso sistema tributário. Segundo dados da Tendências Consultoria, o endividamento do brasileiro chegou, no mês de fevereiro, ao equivalente a 55% da renda, enquanto o comprometimento da renda com dívidas bancárias foi de 29,2%.

Então esta é uma lição que se deve aprender: a reforma tributária deve ser comprometida com o deslocamento da enorme pressão fiscal em cima do consumo para outras riquezas concentradas nas classes sociais mais ricas, visto que é inviável para a curva de demanda deste país um sistema que tribute mais os que menos ganham, embora sejam os que mais precisam consumir.

Trata-se de uma necessidade real do crescimento da economia brasileira. Manter estes vínculos insustentáveis de corrosão do poder de compra dos cidadãos, sobretudo neste momento no qual cada R$ 1,00 conta, é passar pela pena sem ter compreendido o delito.

Nossas obrigações fiscais vão na contramão da propensão ao consumo, o que aliado à concentração dos meios de produzir renda apenas aprofunda de forma inadmissível aos olhos do princípio da capacidade contributiva o fenômeno da desigualdade social.

(*) – É Advogado da Lobo & Vaz/BI Tax Consultoria, doutorando e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP e Conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário (TAT) de Florianópolis.