Izaías Miguel (*)
As discussões sobre a reforma tributária seguem avançando e as mudanças significativas que a regulamentação trará estão movimentando diversos setores da sociedade civil.
Nas áreas fiscais de empresas de todo o país, a simplificação do recolhimento dos tributos é aguardada com apreensão, assim como os impactos que devem ser notados ao longo da transição, quando dois modelos tributários estarão em vigor. É importante ressaltar, no entanto, que essas não são as únicas preocupações dos executivos responsáveis pelo pagamento a fornecedores das empresas brasileiras.
Aprovada em 2018 e perto de ser implementada, a lei de duplicatas escriturais (lei 13.775/2018) irá mudar bastante a forma como as empresas pagam seus fornecedores. Criada com o objetivo de “destravar” as duplicatas dos fornecedores para dar a eles uma forma mais simples e barata de se financiarem, a lei cria o framework jurídico e habilita a criação da infraestrutura tecnológica que irá proporcionar maior transparência e liquidez para esses títulos.
Na reta final de aprovação pelo Banco Central, a convenção com as escrituradoras irá disparar o início da contagem dos prazos previstos na resolução 339/2023 do BACEN, fazendo com que a infraestrutura de escrituração esteja pronta já em 2025. Com isso, os fornecedores poderão começar a escriturar e negociar suas duplicatas, gerando impacto significativo nos processos de Contas a Pagar de seus clientes.
As duplicatas escriturais são títulos eletrônicos de crédito usados para formalizar relações comerciais entre credores e devedores. Esses documentos caíram em relativo desuso no Brasil, dado que os pagadores geralmente incluem cláusulas nos contratos com seus fornecedores, impedindo a cessão de duplicatas a terceiros, dificultando seu uso como alternativa de financiamento no mercado. Porém, a lei 13.775/2018 torna nulas essas cláusulas, fazendo com que os fornecedores possam negociar livremente suas duplicatas.
O objetivo dos pagadores ao impedir a cessão de títulos é evitar os riscos de fraudes e trabalho operacional interno, que a cessão de duplicatas de seus fornecedores a terceiros implica. Por isso mesmo, a lei de duplicatas escriturais causa preocupação nas empresas, por conta dos riscos e custos associados. Empresas que não se adaptarem estarão mais sujeitas a fraudes, protestos, pagamentos incorretos, aumento do risco de não conformidade legal e crescimento de custos operacionais.
Outro ponto que também gera apreensão está relacionado aos prazos associados. Quando as novas normas estiverem em vigor, além de não poder impedir que os fornecedores registrem e negociem suas duplicatas, as empresas terão um prazo de apenas dez dias para se manifestarem em relação a essas duplicatas.
Com isso, o tempo de reação a registros incorretos de duplicatas escriturais, de boa ou má-fé, será muito baixo, considerando que grandes empresas tratam volumes significativos de pagamentos mensais e, muitas vezes, levam mais de 30 dias apenas para processar e registrar no Contas a Pagar suas obrigações. Dessa forma, empresas que não conseguirem cumprir este prazo estarão sujeitas a protestos por bancos, FIDCs, factorings e outras instituições que negociarem essas duplicatas junto a seus fornecedores.
Além disso, pagamentos incorretos também poderão gerar protestos e custos. Ao negociar uma duplicata junto ao fornecedor, o financiador automaticamente passa a ser seu novo titular, informando na escrituradora o novo domicílio bancário onde a duplicata deve ser liquidada. Caso a empresa pague direto ao fornecedor um título que foi negociado, ela pode ser protestada pelo novo titular e obrigada a pagar duas vezes.
Por mais que boa parte desses pagamentos sejam ressarcidos pelo fornecedor posteriormente, a gestão dos protestos e ressarcimentos será um processo complexo de se instaurar. Nas áreas financeiras das grandes companhias, a avaliação feita por executivos aponta que a lei de duplicatas escriturais é tão importante para as empresas quanto a reforma tributária.
Uma das formas mais eficientes para evitar os riscos mencionados e os custos adicionais será utilizar a tecnologia como aliada, automatizando os processos de gestão, manifestação, liquidação e conciliação de duplicatas. Com isso, as empresas poderão cumprir os prazos com o objetivo de administrar grandes volumes de títulos sem que haja um aumento no número de protestos e pagamentos incorretos.
(*) – É Co-CEO da fintech V360 (https://www.v360.io/).