143 views 12 mins

Uma biblioteca para encantar crianças na periferia carente

em Manchete Principal
sexta-feira, 10 de julho de 2020

Os olhos brilham quando ela descreve o projeto e o sorriso constante se abre ainda mais quanto mais detalha. Lela, apelido de Valéria Albuquerque mostra porque a ONG que dirige, a ”História Mais Bonita”, que entretém crianças internadas para longos tratamentos com a leitura e interpretação de histórias, faz tanto sucesso. Agora ela realiza o sonho de criar uma biblioteca com um ambiente envolvente para receber 500 crianças por ano numa escola pública na periferia de Guarulhos.

A “Biblioteca Mais Bonita nº 1” já mostra que o projeto é ambicioso e os planos para a segunda unidade já estão em andamento, beneficiando crianças e adolescentes de outro bairro da cidade da grande São Paulo.
Esta é mais uma ação de voluntariado desta funcionária pública, mãe e dona de casa, uma contadora que trabalha na Comissão de Valores Mobiliários. Mas vamos deixar que a própria Lela conte a história, que, envolve a luta contra o descrédito dos próprios parceiros, Insistência, determinação e a participação surpreendente do humorista Fabio Porchat.

Valéria Albuquerque (Lela). Imagens: arquivo pessoal de Valéria Albuquerque

DO COMEÇO

Sempre me envolvi com voluntariado. Na época que a História Mais Bonita surgiu eu era voluntária de três organizações: das Casas André Luís, que fica aqui em Guarulhos; fazia curso de formação do “Viva e deixe viver” e era coordenadora de contação de histórias da Companhia dos Clownáticos… “clown” de palhaço e “náticos” de fanáticos, lunáticos (ri).

Foi com os Clownáticos que nasceu o apelido de Capitã. A gente trabalha muito com o lúdico, tem essa coisa de uma embarcação pirata, de regatar as crianças daquele momento difícil, trazê-las para uma nova realidade, uma realidade cheia de imaginação, de alegria… e dá certo.

Diretora Cristiana Silva (esq.), responsável pela Escola Estadual República da Venezuela II,
e Lela, diretora da ONG “História Mais Bonita”.

Havia um menininho de sete anos que estava internado em UTI há três ou quatro meses já. Pedi para a mãe pelas redes sociais para visitar o Samuel. Aí ela falou: “ah, o Samuel nem fala mais, ele está muito deprimido, eu escuto a voz dele só para trocar o curativo”. Eu insisti, só queria mesmo ler para ele, e ela aceitou.

Quando eu cheguei lá no hospital e ele estava na hemodiálise e deixaram eu entrar porque o caso dele era muito grave, falaram: “olha, a gente nunca deixa, mas como você é contadora de histórias e ele está muito deprimido, a gente vai deixar você entrar, mas uma historinha só”. Quando eu entrei, tudo muito apertadinho, sentei ali mesmo de qualquer jeito, meio ajoelhada no chão, catei o livro, já fui lendo pra ele. E o Samuel foi falando comigo! Foi falando, interagindo e a gente foi rindo. E eu vi que foram chegando outras crianças da troca de turno. Quando eu acabei, vi a mãe chorando, enfermeira chorando, a médica veio me agradecer e eu entendi que realmente ele realmente não estava falando, a situação era crítica. Elas verem o Samuel interagindo com as outras crianças, rindo com elas, foi muito mágico! Eu que não estava esperando nada disso, fiquei muito agradecida, muito emocionada.


Vamos avançar um pouco a história pra contar que logo a Capitã desenvolveu histórias de navios, de castelos que encantaram primeiro o Samuel e depois que ele teve alta da UTI, outros meninos e meninas, até que logo ela estava dedicada à ala de hemodiálise infantil do Hospital Samaritano, referência na área. “Tem no Youtube. Ali dá pra ver meu jeito de ler para elas. A gente interage, está sempre provocando: ‘olha você viu?’ Levei até pro Samuel, Até as princesas soltam pum” (livro infantil de Ilan Brenman) e aí conversamos. ’Nossa, o que que é isso, se fosse você?’. Então é uma crença minha que alegria é um instrumento de cura poderoso. Se não tiver alegria e leveza, o nosso trabalho não existe”.
Logo voluntários começaram a se achegar, entre 20 e 30 e a História Mais Bonita foi se desenvolvendo e formalizando, com CNPJ e novas ideias. O “História na Rua” vai um domingo por mês até o Theatro Municipal de São Paulo leva livros e lê para moradores de rua, doa os livros e até escreve carta para seus parentes: “Alguns pedem para a gente achar a família. Já teve dois casos de sucesso que a gente conseguiu achar” conta Lela.
Para ter repertório e alcançar mais crianças, a “História mais Bonita” lançou uma campanha de coleta de livros. O resultado foi surpreendente até para a otimista Capitã:

Chegaram mais de mil livros em vinte dias. Aí eu falei ‘e agora?’ Porque eles não estão parando de chegar, eles vão chegar sempre. Aí uma voluntária sugeriu entregar para uma escola pública. Quando ela falou isso, abriu um portal e eu vi a ambientação de uma sala linda, uma sala para essa galera ter onde ficar. Onde eles se sintam especiais, que seja um lugar especial porque não adianta você chegar lá com livro de ouro para um público que não tem o costume de ler, que não tem esse amor, essa paixão, deixar os livros, virar as costas e ir embora. É isso, vamos, vamos entregar os livros, mas vamos preparar a sala entregar a ambientação também.”
Mas a reação inicial não acompanhou o entusiasmo da voluntária: “Fiquei falando sozinha, porque todo mundo me achou louca. Ai falei ‘ah tá, bora lá, vamos ver que é louca. Eu vou fazer essa biblioteca’. E levei como questão de honra.”
Lela Albuquerque foi visitar alguns locais e escolheu a Escola Estadual República da Venezuela número 2, no Jardim Arapongas em Guarulhos dedicada do sexto ano do fundamental até o ensino médio. Depois de conversar com a diretora, a sala deverá ser aberta também para a escola número 1, atingindo mais de 500 crianças e adolescentes por ano. A capitã trabalha com a fantasia, mas o projeto teve os pés no chão.

Voluntários Lela Albuquerque, Ivete Câmara e Ricardo Martins, durante Mutirão de Pintura.

Falei com a diretora, é um projeto novo, eu posso te entregar em 6 meses ou eu posso demorar quatro anos. Ela falou ‘Lela, separei a sala aqui para você, essa sala é tua’. Então fui atrás de uma arquiteta, a Carolina Felipe, que ela fez o projetinho, ficou maravilhoso.

“FÁBIO PORCHAT? Oi???”

  • Aí um dia, vi no Instagram uma curtidinha lá uma tal de ABACE. O que será que é essa ABACE? Eu sou muito curiosa para as coisas.
    Ela descobriu que se tratava de uma ONG que financia projetos que não têm recursos. Depois de mostrar a ideia e juntar os documentos necessários, Lela recebeu a notícia de que a ajuda viria na forma de um show do fundador da ABACE, o humorista Fabio Porchat. Quase a Capitã cai ao mar
  • Eu disse ‘Oi? Quem?’ Claro que aquilo foi um boom de visibilidade. Isso foi uma beleza. Ele fez uma apresentação com mais de mil e 300 pagantes e a ABACE nos doou 10 mil reais. E a Leroy Merlin nos deu um voucher de mais R$ 10 mil. Em seguida, veio a Vegos Construtora com a mão de obra, a parte de marcenaria com a Toyota Arquitetura. Ficou linda!!!! Tem um palco de parede a parede, com sete metros, que é a coisa mais linda. Tem dois degraus, num encaixam os livros e em cima é palco multiuso.
    Depois de mutirões de obras e pinturas, a sala está quase pronta para ser entregue às crianças. A direção da escola conseguiu uma professora para ficar responsável e agora falta só a pandemia sossegar e permitir a volta dos alunos para desfrutar do seu novo espaço.
    Missão cumprida? Não! A capitã Lela mira o horizonte e já está conversando com a Prefeitura de Guarulhos para conseguir a sala para a Biblioteca Mais Bonita nº 2. “Para minha alegria é também na periferia de Guarulhos, num bairro bem carente. Tomara que dê certo. Estou encantada com a possibilidade de continuar por ali” completa a “Capitã” Valeria Albuquerque abrindo mais ainda o sorriso, sem colocar ponto final na história.

Quem participa do sonho

  • ABACE Associação Buriti de Arte, Cultura e Esporte por meio do apresentador Fabio Porchat
  • Projeto da arquiteta Carolina Felipe
  • Mão de obra cedida pela Vegus Construtora
  • Marcenaria pela Toyota Arquitetura e Marcenaria.
  • Leroy Merlin comvoucher para aquisição de materiai
  • A ONG “Olhar de Bia” fez a logística dos insumos e dos livros recebidos.

“A História mais bonita” aceita doações para esta e as próximas Bibliotecas