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Teiús considerados “hóspedes” indesejados em Fernando de Noronha

em Especial
terça-feira, 17 de dezembro de 2019

No Arquipélago Fernando de Noronha – distante cerca de 350 km da costa do nordeste brasileiro – uma espécie invasora do gênero de répteis Salvator, da família Teiidae, mais conhecida como teiú, precisa ser controlada

Antonio Carlos Quinto/Jornal da USP

“O réptil representa riscos a outras espécies nativas, ao ecossistema e ao homem, por ser portador da bactéria Salmonella enterica, responsável pela doença Salmonelose. Além disso, o teiú se reproduz no arquipélago sem nenhum controle”, conta o analista ambiental Carlos Roberto Abrahão.

Atobás não fazem mais seus ninhos no solo da ilha principal de Noronha. Foto: Cedida pelo pesquisado

Em seu estudo de doutorado realizado na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, Abrahão fez um levantamento de dados sobre a população do réptil nas ilhas que compõem o arquipélago e propôs estratégias de manejo do animal para melhorar a conservação das espécies das ilhas. Os primeiros registros da presença do teiú nas ilhas datam de quase um século, quando estes animais foram introduzidos pelo homem para fazer o controle de roedores (ratos) trazidos pelos europeus.

“Publicações da década de 1950 registram a presença deste lagarto no arquipélago”, conta. Atualmente a população de teiús é estimada entre 7 e 12 mil lagartos adultos na ilha principal. Também conhecido como teju ou tejú (Salvator merianae) o réptil é considerado o maior lagarto da América do Sul e, no continente, pode pesar até 5 quilos.

População de teiús na ilha principal é estimada entre 7 e 12 mil lagartos adultos. Foto: Cedida pelo pesquisador

O Arquipélago Fernando de Noronha é dividido em duas áreas: o Parque Nacional Marinho e a Área de Proteção Ambiental. A maior população de teiús concentra-se na ilha principal do arquipélago, que possui uma área total de 1.840 hectares. “O arquipélago é composto por 21 ilhas e ilhotas e, por ter o teiú a capacidade de mergulhar e nadar, é possível que ele use outras ilhas, além da principal”, descreve o cientista.

A capacidade de deslocamento dos teiús os torna um predador de espécies ameaçadas ou endêmicas das ilhas, como a tartaruga-verde, o lagarto-de-noronha, a anfisbena-de-noronha e o caranguejo-amarelo. “Na ilha principal os atobás não fazem mais ninhos no solo. Resta somente uma colônia que ainda resiste, com apenas uns 10 a 20 mil indivíduos”, contabiliza Abrahão, ressaltando que, além dos teiús, populações de ratos e gatos, que também são um grande problema no arquipélago, “tenham forçado a saída das aves da ilha principal.”

Mais da metade dos teiús capturados em Fernando de Noronha apresentou a bactéria causadora da Salmonelose. Foto: Cedida pelo pesquisador

Os dados foram coletados em visitas que duravam um mês, duas vezes por ano, entre os anos de 2015 e 2016. Sobre a bactéria Salmonella enterica, mais de 50% dos teiús de Fernando de Noronha são portadores. Os pesquisadores também identificaram os tipos de salmonela encontrados nos teiús e notaram que alguns dos tipos presentes em Noronha são responsáveis por doenças em humanos em outros lugares do mundo.

Os teiús chegam a ser uma ameaça ao turismo, principalmente por conta da contaminação pela Salmonella enterica. A bactéria é encontrada nas fezes do réptil e, além do mais, o animal é consumido como uma “iguaria”. “Isso acontece não somente nas ilhas do arquipélago, mas também no continente”, registra o cientista. Mesmo sendo uma ameaça ao turismo, por conta da diarreia grave que pode causar a contaminação, Abrahão lembra que os moradores locais podem ter desenvolvido uma resistência natural à bactéria. “O problema é mais grave com relação aos turistas”, adverte.

Ratos também representam um problema nas ilhas do arquipélago. Foto: Cedida pelo pesquisador

Abrahão lembra também que, mesmo sendo considerada uma espécie invasora, os teiús são considerados oficialmente, no arquipélago, como espécie nativa e protegida. “Trata-se de uma controvérsia, mas nossos estudos comprovam a necessidade de programas de controle do animal”, afirma o analista ambiental, lembrando que alguns lugares das ilhas são mais sensíveis à presença do réptil, como por exemplo os locais de desova de tartarugas marinhas.

O pesquisador recomenda que sejam utilizadas armadilhas simples e baratas para a coleta dos lagartos. Para isso, torna-se necessário que se tenha um plano de ação que seja discutido junto à população local. “A comunidade tem de ser ouvida, já que se trata de uma ação a longo prazo”, estima o cientista, lembrando que a estratégia deve ser semelhante à adotada em relação à população de gatos do arquipélago.

Abrahão propõe um plano piloto de manejo dos teiús. Dentre os predadores naturais do teiú estão os grandes mamíferos. No continente, grandes carnívoros como felinos e canídeos podem predar o teiú. “Mas a tese de introdução de predadores para controle de espécies invasoras não é recomendada pela ciência, salvo raríssimas exceções. Geralmente se tornam mais um problema”, adverte o analista ambiental. Um exemplo disto é o próprio teiú, que foi introduzido para o controle de ratos mas acabou se tornando, ele próprio, um problema ainda maior.