Brasil carece de legislação para reúso de água
Brasil carece de legislação para reúso de água
No Dia Mundial da Água, lembrado ontem (22), a Unesco destaca a importância das águas residuais, aquelas já utilizadas em atividades humanas e que podem ser reaproveitadas. No Brasil, entretanto, as águas residuais não são aproveitadas como deveriam pois não há legislação específica sobre o tema
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O coordenador de Implementação de Projetos Indutores da Agência Nacional de Águas (ANA), Devanir Garcia dos Santos, destaca a importância do reúso, mas diz que a prática não é trivial e expõe as pessoas a riscos se não forem seguidas determinadas normas. Para ele, a cobrança pelo uso da água mostra o real valor do recurso e induz as pessoas a refletirem sobre a melhor maneira de utilizá-lo. Ele acredita que esse é um dos caminhos para que as pessoas se interessem pelo reúso.
Na avaliação do especialista, o Brasil precisa de legislações que priorizem a segurança do meio ambiente e dos usuários, tanto no quesito manuseio como no consumo. “Qualquer planta de reúso requer um licenciamento ambiental e esses licenciamentos são muito difíceis de serem conseguidos porque não temos clareza sobre limites e sobre parâmetros da qualidade que essa água, que vai ser feita reúso, deve ter para aplicação”, disse, explicando que há literatura mundial e resoluções do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, mas não há uma norma que deixe claro os critérios para o licenciamento.
Segundo Santos, existem discussões em andamento sobre o tema no Congresso Nacional e a ANA trabalha, em parceria com o Ministério das Cidades, para a edição de um projeto de lei que atenda esse setor. A Unesco também afirma que são necessárias novas regras sobre o reúso da água e a recuperação de subprodutos das águas residuais. “Com frequência, existe pouca legislação sobre os padrões de qualidade para esses produtos, o que cria incertezas de mercado que podem desencorajar os investimentos. Mercados para esses produtos podem ser estimulados por incentivos financeiros ou legais – tais como a mistura obrigatória de fosfatos recuperados em fertilizantes artificiais”, diz.

Segundo a Unesco, os benefícios sociais, para a saúde pública e o meio ambiente, decorrentes da gestão dos esgotos, são consideráveis. Para cada dólar gasto em saneamento, estima-se um retorno para a sociedade de US$ 5,50.
Apesar de algumas iniciativas da indústria, o reúso praticamente inexiste no Brasil de forma disciplinada e organizada. “Não temos essa tradição do reúso porque o Brasil tem essa teoria da abundância [12% da água doce do mundo está no Brasil]. E agora estamos notando que, apesar de termos muita água, a distribuição não é uniforme e temos regiões extremamente carentes em água. Isso está provocando uma discussão mais forte em relação a reúso”, disse. As águas residuais geridas com segurança são uma fonte acessível e sustentável de água e nutrientes para a agricultura de irrigação, que é responsável por 70% da água consumida no mundo.

Dificuldades hídricas são reflexo de condições naturais do Nordeste
As condições naturais do Nordeste, com vários rios intermitentes e grande variabilidade climática, fazem com que a região passe por dificuldades hídricas. No entanto, fatores como as mudanças climáticas e o modelo de desenvolvimento adotado pelos estados potencializam essas condições.

Considerada a obra mais importante de segurança hídrica do Nordeste, a transposição do Rio São Francisco teve seu Eixo Leste inaugurado este mês, cujos trechos levam águas do Velho Chico de Pernambuco à Paraíba. O Eixo Norte, que vai levar água para o Ceará, ainda não teve as atividades retomadas desde que a empresa vencedora da licitação desistiu do contrato, mas, segundo o governo federal, deve ser finalizado até o fim deste ano. Para Costa, o projeto da transposição precisa ser visto a partir das condições atuais do Rio São Francisco, cuja vazão tende a se reduzir devido a problemas como o desmatamento, o assoreamento e o próprio uso intensivo das águas.
“Será que o São Francisco vai conseguir atender às demandas dentro da lógica que foi colocada? Não vamos limitar a demanda, mas sim aumentar a oferta. Como o rio não está bem das pernas, não pode ser colocado como tábua da salvação”. O professor também questiona o destino das águas da transposição. Para ele, os canais de integração deverão servir essencialmente aos grandes empreendimentos. “O projeto é vendido como se fosse chegar à população do campo, mas elas são atendidas pelas tecnologias sociais, como as cisternas. A transposição não é para isso.”
Varella diz que a transposição pode ser considera “o menor dos problemas” do Rio São Francisco. Segundo ele, a gestão das águas prevê regras específicas, respeitando o limite dos recursos hídricos. Uma dessas regras é o volume de água liberada, que será de 26 metros cúbicos por segundo (m³/s), podendo chegar até 128 m³/s, quando o reservatório de Sobradinho, na Bahia, estiver com maior capacidade. “A transposição, principalmente na Paraíba e no Rio Grande do Norte, onde vai se dar ao longo do rio, pode democratizar o uso para os pequenos agricultores. Esse pode se tornar um grande projeto de desenvolvimento regional. A água terá que ser outorgada, cobrada respeitando o poder pagador dos usuários” (ABr).