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Sacrificando a Arte em Nome do Engajamento

em Economia da Criatividade
quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Quando soube da escalação da influenciadora Jade Picon para a novela das nove eu imediatamente franzi a testa. “Jade Picon? Na novela das nove? Horário nobre logo assim de cara?”. Aí veio a informação de que ela não só estava na novela das nove como seria uma das antagonista da trama, tipo de papel que já foi representado por atrizes veteranas como Patricia Pillar, Giovana Antonelli, Claudia Raia, Fernanda Montenegro, entre tantas outras atrizes consagradas da televisão brasileira.

Essa informação impactou meu dia, me deixou inquieta. Como produtora audiovisual, eu sempre vivi cercada por atores. Vi atores se formarem como profissionais e conseguirem, a duras penas, se firmar na indústria e ganhar o “pão de cada dia”. Também vi inúmeros atores talentosos desistirem da área por não encontrarem oportunidades suficientes para se manterem nela.

Quando produtores de elenco de uma novela exibida no horário nobre da grade, escrita por uma autora consagrada, entregam um papel desse porte para uma influenciadora que se quer tem um projeto como atriz embaixo das asas, eles deixam muito claro que os valores se inverteram. O número de seguidores passou a valer mais do que talento de um ator.

É comum produtores trazerem personalidades de outros segmentos para o cinema ou televisão. Quando isso acontece de forma natural, respeitando a história que está sendo contada e os limites dessa escalação, o resultado é positivo para todos os lados, a história ganha notoriedade, o marketing do produto audiovisual, seja uma novela, filme ou série, se beneficiam com estratégias vinculadas à imagem dessas personalidades, e outros públicos são atraídos para as telas, o que dá lucro à produção.

No entanto, a escalação de Jade Picon para viver Chiara, a antagonista de Lucy Alves, que interpreta a protagonista Brisa, foi irresponsável e, na minha opinião, desrespeitosa.

A atuação amadora e sem sal da influenciadora, que para a trama precisa ter sotaque carioca, impacta a todos que precisam contracenar com ela, como é o caso de Humberto Martins, ator consagrado da Globo com mais de 30 anos de carreira, que interpreta o empresario Guerra, pai de Chiara.

Em grande parte das cenas, o ator contracena com Jade Picon, o que vem se mostrando difícil com a falta de carisma e “bate-bola” da influenciadora.

Aqui nos Estados Unidos, já faz parte do processo de casting, informar quantos seguidores os atores têm nas redes sociais. Talento fica em segundo plano.

Claro que nem todas as produções seguem essa nova fórmula, mas ela vem sendo cada vez mais sendo utilizada, não só no audiovisual como na indústria musical também, onde o intuito de compor uma canção passou a ser, muitas vezes, viralizar no TikTok.

Marina Vecchi é Produtora Audiovisual e Mestre em Produção de Cinema pela Full Sail University, nos Estados Unidos. Marina atuou no setor de Home Entertainment da Sony Pictures Brasil como Assessora de Imprensa. Já nos Estados Unidos, trabalhou como assistente de produção em séries como “Westworld”, “Kidding”, produzida e protagonizada por Jim Carrey, o clássico da tv americana “The Goldbergs” e a série original do Youtube vencedora do prêmio Emmy 2020, ‘Could You Survive the Movies?’. Agora baseada em Seattle, Marina atua no departamento de cinema do estado de Washington na aprovação e suporte de produções cinematográficas e séries de tv produzidas na região com o incentivo do estado