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O velho bruxo

em Colunistas, Heródoto Barbeiro
quinta-feira, 24 de maio de 2018

O velho bruxo

Imagine um país bem distante onde o rei se esforça para ganhar a admiração dos seus súditos.

Não mede esforços em divulgar as realizações do seu governo. Quer deixar o seu nome na história do país, pelo menos não sair pela porta dos fundos. Com muita pompa, junta a população na praça e, com ajuda de seus assessores, faz um discurso que inebria a todos. Anuncia que a inflação registrada está abaixo do 3% ao mês. A liberação das contas inativas do Fundo de Garantia e a antecipação do saque do PIS-PASEP injetou bilhões de reais na economia. Atendeu a mais de 14 milhões de famílias, com a Bolsa Família. Mais de 38 mil casas entregues por mês.

O país colheu as duas maiores safras agrícolas da história. Renovou a frota de ambulâncias, concluiu a integração do São Francisco. Conseguiu aprovar uma reforma trabalhista e a base nacional comum curricular. Com tantas realizações em tão pouco tempo, o rei se coloca como o homem que sozinho, sem dispor de um tostão dos impostos pagos pela população, mudou a face do reino. Diante de tantas notícias boas e favoráveis o que ele espera dos súditos é que vivam felizes para sempre.

Imagine um país bem distante onde o rei se esforça para ganhar a admiração de seus súditos. Para isso precisa esconder os números ruins do seu reinado. Contrata os mais fantásticos manipuladores de números e opiniões. Ainda assim, a realidade insiste em desmenti-lo. Um a cada quatro súditos não consegue pagar a dívida do cartão de crédito, e o número de desempregados chegou a 13 milhões e 700 mil. Mais de 400 mil tinham a carteira assinada. Muitos foram demitidos da construção civil, que tem 40 % de sua capacidade de produção inativa. Mesmo com o anúncio de créditos mais em conta.

Os prestadores de serviços, responsáveis por 70 % do produto nacional bruto, perderam faturamento. Até setores imprescindíveis como o transporte recuaram. O nível de produção da indústria está congelado nos mesmos números do ano anterior. E o produto interno bruto, recuou deixando os súditos preocupados com o crescimento do reino. As filas dos postos de saúde são imensas e a qualidade do ensino ruim. Por mais impostos que os súditos paguem não são capazes de saciar a fome de uma máquina estatal imensa a que o povo chama de saco sem fundo.

Os súditos ficaram sem saber em quem acreditar. Se na palavra do rei anunciada com pompa, circunstância e clarins, ou nas notícias divulgadas. Como pode o reino viver as duas realidades ao mesmo tempo? Uma delas só pode ser fruto da fantasia. O reino se dividiu entre os que proclamavam a volta do crescimento, da bonança, dos bons tempos e os que insistiam em dizer que tudo aquilo não era sustentável e resultaria em uma crise sem precedentes.

Depois de árduos debates nas praças, mercados, estrebarias, campos de trigo, chegaram à conclusão que uns veem o copo meio cheio e outros meio vazio. Otimistas versos pessimistas. Diante da persistência do impasse apelaram para o Velho Bruxo. Depois de algum tempo de reflexão ele disse que havia uma terceira visão sobre o copo. A questão não era discutir a quantidade de líquido. Se ele estivesse cheio de um veneno mortal, mesmo tendo sido esvaziado na metade, a outro metade continuava perigosa. Beber o copo cheio ou apenas metade dele certamente provocariam o mesmo resultado.

Assim não restou outra saída para o rei e seus acólitos a não ser juntar o que podiam carregar e entregar o reino a algum salvador que viesse em socorro dos súditos.

(*) – É âncora e editor chefe do Jornal da Record News em multi plataforma.