Morre o policial criador do Museu do Crime
Os ouvintes de rádio, especialmente os mais maduros, ainda se lembram das crônicas matutinas de Gil Gomes narrando com detalhes os assuntos policiais do dia-a-dia. O radialista costumava repetir várias vezes o mesmo texto: “Era um investigador que se dedicava ao trabalho, um homem dedicado, dedicado, dedicado, dedicado mesmo”.
Assim diria o cronista pelos microfones em sua narrativa exagerada, para definir a personalidade do policial Milton Bednarski, que morreu vítima de um infarto fulminante, aos 86 anos, no último domingo (21). Ele criou e se tornou curador do Museu do Crime da Associação dos Investigadores de Polícia do Estado de São Paulo – AIPESP.
O Dr. Milton, como era chamado pelos policiais mais jovens, estará para sempre entre os “homens de ouro da polícia paulista”, escreveu a AIPESP em sua página no facebook. Bednarski, ingressou na profissão em 1947 como investigador, trabalhando inicialmente na 4ª Divisão do Departamento de Investigações da Delegacia de Roubos e Assaltos. Passou depois pela antiga Divisão de Combate e Repressão à Vadiagem e pela Divisão de Entorpecentes.
Atuou também no DOPS- Departamento de Ordem Política e Social e no DEGRAN, como chefe da Delegacia Especial de Menores, além de passar pelos distritos policiais do Bom Retiro e do Pari. Na Divisão de Crimes contra o Patrimônio, ajudou esclarecer o célebre caso que levou à prisão, João Acácio Pereira da Costa, o bandido da Luz Vermelha, detido em 1967, depois de inúmeros assaltos a mansões, geralmente nas madrugadas, quando cortava a energia da casa e usando uma lanterna de bocal vermelho, entrava na residência para roubar.
Toda essa experiência, acumulada ao longo dos anos de investigação, levou o Dr. Milton a criar um acervo particular de fotografias, armas antigas, distintivos, objetos, documentos e análises de vários casos policiais. Ao se aposentar não descansou, passando por conta própria a estudar com detalhes antigos crimes de grande repercussão em São Paulo, como o caso do Castelinho da Rua Apa, em 1937, onde três pessoas de uma mesma família foram mortas em circunstâncias misteriosas.
Pesquisou tudo a respeito do Crime da Mala, ocorrido em 1928, quando Giuseppe Pistone assassinou a esposa Maria Fea e tentou enviá-la despedaçada, dentro de uma mala, em um navio para a Europa. Buscou detalhes também na ocorrência que se deu, duas décadas antes, o chamado Crime do Poço, quando em 1908 o imigrante Michel Trad assassinou seu então sócio Elias Farah.
Sobre esses e outros assuntos, Milton Bednarski sabia discorrer com pormenores, formulando a quem se interessasse em ouvi-lo, verdadeiras aulas de investigação. O antigo policial, entretanto, tinha ódio em ouvir falar de Gino Meneghetti, a quem conheceu e chegou a prender. Ele o acusava de não ser apenas um ladrão, mas também um assassino cruel. “Este homem matou um policial e depois se livrou da arma para que não houvessem provas que o incriminassem, sempre deram glamour a uma figura detestável”, reclamava.
Outra história policial interessante resgatada por Milton Bednarski, foi a tragédia amorosa envolvendo um dos mais brilhantes advogados da década de 1920, Moacyr Toledo Piza, com Romilda Machiaverni, considerada a mulher mais bonita de São Paulo em sua época, musa inspiradora de escultores, pintores e poetas, também conhecida nos círculos sociais pela alcunha de Nenê Romano. A presença dela nas recepções iluminava as colunas sociais, despertando paixões e inveja.
Certa vez ela foi vítima de um atentado, alguém cortou seu rosto com uma navalha que lhe custou uma feia cicatriz. “As principais suspeitas recaíram sobre outra socialite da época por motivos fáceis de supor”, explicou o policial adiantando que o jovem advogado Moacyr Toledo Piza, procurado pela moça para tocar uma ação indenizatória contra a suspeita, acabou despertando nele uma paixão arrasadora, que o levou a abandonar tudo em nome da linda mulher que de sua parte, não se mostrava interessada no amor dele.
“Versões deram conta que a bela jovem, chegava a humilhar publicamente o brilhante advogado que, por sua vez, seguia apaixonado chegando mesmo a recusar uma embaixada no México, só para não ficar longe dela”, ressaltou o Dr. Milton, para relatar em seguida como foi a morte dos dois. “Tudo aconteceu na noite de 25 de outubro de 1923, Romilda deixara uma recepção no Jóquei Clube e pediu seu carro onde Moacyr também embarcou levando um buquê de flores. Ao chegar em frente à casa dela, na avenida Angélica com rua Sergipe, Romilda Machiaverni foi atingida por quatro tiros morrendo no local ao lado de Moacyr, morto com um tiro na cabeça”, explicou.
As investigações da época chegaram à conclusão que o advogado praticou o crime suicidando em seguida, fato contestado pela família dele. “Como homenagem, Moacyr recebeu um túmulo no Cemitério da Consolação onde há uma estátua de mulher nua no formato de um ponto de interrogação, como a questionar o que de fato aconteceu”, comentava o policial elucidando: “Romilda Machiaverni, a Nenê Romano, sepultada no Cemitério do Araçá, está em um túmulo geralmente visto sem flores e não tem decoração. Ela, no entanto, encontra-se no espigão da Avenida Paulista e se pudesse teria condições de continuar olhando Moacyr de cima para baixo, ou seja, de olhar em riste, como ela sempre fazia”. Finalizou Milton Bednarski, como em uma crônica de Gil Gomes.
Serviço:
Museu do Crime Milton Bednarski
Avenida Cásper Líbero, 535 – Luz
Telefone: (11) 3228-7489
Horário de funcionamento: segunda à sexta das 08:00 às 17:00hs
Grátis
(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).