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Agüentar tranqüilo nunca mais. Trema, trema!

em J. B. Oliveira
segunda-feira, 20 de junho de 2016

Agüentar tranqüilo nunca mais. Trema, trema!

O título pode parecer estranho a quem não conheça meu estilo. Ocorre que, como professor de Oratória, ensino que o início de qualquer comunicação deve ser original. Precisa fugir da enfadonha mesmice e despertar a atenção das pessoas a quem nos dirigimos, falando ou escrevendo. Pesquisas já demonstraram que os primeiros 30 segundos de uma comunicação são fatais: eles determinarão se a mensagem será ou não recebida pelo destinatário! Isso confirma a definição dada pelo grande orador romano Cícero à introdução – ou exórdio – de uma comunicação: “É a parte do discurso que prepara o auditório para bem receber a mensagem”!

Agora, para você e todos os demais leitores interessados em saber o porquê (que se escreve assim: junto e com circunflexo – ou “chapeuzinho” para os íntimos – por ser substantivo e, portanto, vocábulo tônico!) do curioso título, explico: vamos tratar do Acordo Ortográfico promulgado pelo Decreto n° 6583, de 29 de setembro de 2008, alterando nosso sistema ortográfico. O artigo 1° desse diploma legal diz que participam do Acordo os seguintes países lusófonos: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe.

O artigo 2° estabelece: “O referido acordo produzirá efeitos somente a partir de 1° de janeiro de 2009”, e seu parágrafo único esclarece: “A implementação do Acordo obedecerá ao período de transição de 1° de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012, durante o qual coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma estabelecida. ” (Em decorrência de prorrogações, a vigência acabou sendo a partir de 01/01/2016).

A partir daí, nunca mais se escreverá agüentar e tranqüilo, porque o trema – aqueles dois pontinhos sobre o u, assim ü – deixará de existir. Isso lembra certo epitáfio que dizia: “Aqui jaz Fulano de Tal, sepultado aos 80 anos, mas morto desde os 30”.  Para muitos, o trema já havia sido morto há quase 45 anos, pela Lei 5765 de 18 de dezembro de 1971! A verdade, porém, é que essa lei não o matou: apenas o deixou “gravemente ferido”!

O que se lê na dita lei de 1971 é que “fica abolido o trema nos hiatos átonos”. Ficou claro agora? Claro que não. Quem sabe o que é um hiato átono? Então vamos recordar: hiato é o encontro de duas vogais, ficando cada uma em uma sílaba distinta. É o oposto do ditongo: encontro de uma vogal e uma semivogal na mesma sílaba. Observem esta frase: “Meus pAIs vivem neste pAs”. Neste exemplo, pAIs é ditongo e tem só uma sílaba, enquanto pAÍs é hiato e tem duas. Em poesia métrica, quando o poeta precisava aumentar o número de sílabas numa palavra, ele transformava um ditongo em hiato pelo uso do trema. Assim: saudade, de três sílabas, virava saüdade, de quatro. Fora esse caso, o trema continuou em vigor para indicar o U que se pronuncia nos encontros güe; güi; qüe; qüi, como em agüentar; argüir; freqüência e tranqüilo. Com a aplicação da nova norma, fica totalmente morto e sepultado o trema e essas palavras serão escritas assim: aguentar; arguir; frequência e tranquilo.

Para o Brasil, apenas 0,45% das palavras sofreram alterações. Para Portugal, esse índice sobe para 1,6%. O objetivo de tal composição é, basicamente, dar unidade a uma língua falada por cerca de 250 milhões de pessoas, sendo a quinta mais falada do mundo todo e a terceira do mundo ocidental. A justificativa para a unificação é que a língua ganhará foros de internacionalidade e disso se beneficiarão todos os lusófonos.

 

J. B. Oliveira é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista.

É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras.

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