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O apetite do exterior é a fome do Brasil

em Artigos
quinta-feira, 04 de fevereiro de 2021

Marcelo Zaina (*)

Em 2020, a soja brasileira teve um ano diferenciado, pois começou com o preço em R$ 87 por saca, e encerrou em R$ 153 reais, quase o dobro do valor inicial.

O câmbio acima de R$ 5 reais, e as super compras da China são alguns dos motivos que valorizaram o produto. A tendência é que em 2021, a safra no país supere as 130 milhões de toneladas, e o preço continue elevado. Entre os motivos está a valorização da soja. Já que os estoques globais estão enxutos, existe a possibilidade de ocorrer possíveis problemas produtivos com o clima ou pragas, e o dólar em alta.

Temos também o relacionamento entre a China e EUA, pois no ano passado os asiáticos aplicaram tarifas de 25% sobre a importação de soja dos EUA. Com a entrada do Joe Biden, na presidência, a tenção entre as duas potências deve ser estabilizada, e as exportações do Brasil devem reduzir. Existe também o receio de que não haja soja suficiente para atender à exportação e moagem, que necessitam do grão para a produção de farelo para rações e de biodiesel.

Além da soja, matéria-prima que produz o óleo de soja, outros alimentos também devem ficar mais caro. De acordo com os dados oficiais de inflação do IBGE, em 2020, o preço dos alimentos nos supermercados subiu 16% de janeiro a novembro. Só o arroz subiu 70%, e o feijão preto 40%. Outros itens básicos essenciais na alimentação do brasileiro registraram aumento de 10%, tais como leite, frutas, legumes, carne, frango e ovos, também tiveram destinos parecidos.

E por incrível que pareça, mesmo o Brasil sendo o líder de produção de diversos alimentos, esse aumento ocorre porque o produtor prefere vender onde ele tem mais vantagem, ou seja, o mercado internacional. Então, o comprador brasileiro tem que cobrir o preço negociado no exterior. Resultado: quando o dólar e as exportações crescem, os preços no país também sobem.

O Brasil vem passando por uma das suas maiores recessões da história recente e, somente não será maior, graças aos grandes agricultores, que se beneficiaram com a alta de seus produtos no mercado estrangeiro. Porém, nem todos os grandes agricultores tiveram a mesma sorte, como exemplo estão os que negociaram suas safras antes da pandemia ou os que precisam comprar insumos neste momento, além destes, médios e pequenos produtores rurais estão amargando uma crise a muito não vista, sequer imaginável.

O fato é que, com o dólar alto, a venda de grãos de fato foi favorecida, mas de outro lado, os insumos, os quais são negociados conforme preço da moeda americana, sofrerão e vêm sofrendo aumentos desenfreados com a desvalorização do real, chegando a mais de 20% do valor pago na safra anterior. Nesta toada, sabendo que os insumos dependem da valorização do real frente ao dólar, temos que os prejuízos ora vivenciados pelos agricultores serão o prejuízo futuro da própria população frente ao mercado de consumo, inclusive de alimentos básicos.

A boa notícia para o agronegócio é que nosso judiciário vem flexibilizando a cada dia mais o direito de produtores rurais, inclusive os que ainda não possuem CNPJ ou que passaram grande parte de sua vida sem CNPJ, que tenham acesso ao benefício de se reerguerem financeiramente pelo instituto da recuperação judicial. Em 6 de outubro de 2020, o STJ entendeu que uma sociedade empresária agrícola pode pedir recuperação judicial provando a atividade econômica ainda exercida como pessoa física.

No entanto, o pequeno produtor que muitas vezes faz suas transações apenas por meio de seu CPF, pode ficar mais tranquilo a partir deste momento, pois o projeto que altera a Lei de Falências e está em vias de ser sancionado, propõe que o produtor rural pessoa física possa pedir recuperação judicial em um plano especial desde que o valor das dívidas sujeitas à recuperação não exceda a R$ 4,8 milhões.

Com esta alteração da lei de falências, os ramos da agricultura e pecuária estarão amparados e resguardados para um possível soerguimento e reestruturação dos negócios, o que evitará fatalmente o superendividamento destes grupos e consequentemente irá fomentar o mercado produtivo nacional, e favorecerá toda a população brasileira, pois com a maior produtividade vem a maior concorrência e quem se beneficia é o consumidor final.

(*) – Pós-graduado em processo civil, processo tributário e direito tributário, é advogado no escritório Mestre Medeiros Advogados Associados ([email protected]).