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Economia criativa é resistência onde falta política pública

em Artigos
quinta-feira, 10 de abril de 2025

Wagner César (*)

Em um país onde as políticas públicas frequentemente falham em transformar realidades, a criatividade tem desempenhado um papel que o Estado muitas vezes não consegue. Ela gera renda, preserva culturas e transforma comunidades. Esse movimento tem nome: a economia criativa. Crescendo silenciosamente, à margem das grandes decisões econômicas, ela é responsável por milhões de empregos e por iniciativas que realmente mudam vidas.

Em 2023, a economia criativa no Brasil empregava cerca de 7,8 milhões de pessoas, com um crescimento de 4% em relação ao ano anterior, segundo a Fundação Itaú e o Observatório Itaú Cultural, com base na PNAD Contínua do IBGE. No Espírito Santo, no segundo trimestre de 2024, aproximadamente 220 mil pessoas estavam no setor, representando 10,5% da força de trabalho do estado, com aumento em relação ao trimestre anterior e ao mesmo período de 2023. O rendimento médio dos trabalhadores criativos no estado foi de R$ 3.465,36, colocando-o em quinto lugar no ranking nacional de remuneração.

Esses dados são um reflexo claro do dinamismo da economia criativa, que, mesmo na ausência de um apoio institucional constante, tem demonstrado um crescimento notável, profissionalização e a geração de empregos de qualidade. Onde o mercado tradicional não chega, a criatividade se estabelece, preenchendo lacunas em regiões com escassez de oportunidades, estrutura e investimento, e, dessa forma, sustenta comunidades inteiras por meio do talento e da inovação.

Um exemplo marcante vem da aldeia indígena localizada em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. Lá, os moradores encontraram na economia criativa uma alternativa real de geração de renda e de valorização cultural. Por meio de visitas guiadas, os turistas conhecem trilhas, cachoeiras, casas de reza e locais sagrados da comunidade. Também podem adquirir artesanatos feitos pelos próprios moradores. A renda que entra não só garante o sustento das famílias, como é reinvestida na aldeia, fortalecendo tradições e melhorando a qualidade de vida de todos.

A experiência da aldeia de Ubatuba não é isolada. Em todo o Brasil, existem iniciativas semelhantes. Comunidades periféricas, quilombolas, artistas de rua, pequenos produtores culturais. Todos esses agentes têm utilizado a criatividade como instrumento de resistência, empreendedorismo e transformação social. São pessoas que, mesmo esquecidas pelo poder público, seguem gerando impacto, criando soluções e movimentando a economia a partir da cultura.Outro ponto importante é o papel do turismo cultural nesse processo. Quando bem articulado, o turismo impulsionado pela criatividade pode atrair visitantes, movimentar restaurantes, pousadas, lojas e serviços locais. Isso gera um ciclo virtuoso. A renda circula, novos empregos surgem e os territórios se desenvolvem de forma mais sustentável.

Para que esse potencial seja plenamente aproveitado, é fundamental que o poder público reconheça a economia criativa como uma prioridade estratégica. É urgente investir em formação, incentivar o empreendedorismo cultural, apoiar a formalização e criar políticas públicas que valorizem os saberes locais. A criatividade não se limita à expressão artística ou ao entretenimento; ela é uma fonte concreta de desenvolvimento econômico e inclusão social. O Brasil possui um patrimônio cultural vasto e um povo incrivelmente criativo. Ignorar esse potencial é desperdiçar uma das maiores riquezas do país. A história da aldeia de Ubatuba é um exemplo claro de como é possível construir soluções reais a partir da cultura. O que falta agora é que o país compreenda de uma vez por todas que a criatividade não é um luxo, mas uma necessidade.

(*) Escritor, mercadólogo e ativista social.