Aumento de bilionários em 2017 poderia acabar com a extrema pobreza por 7 vezes
De toda a riqueza gerada no mundo em 2017, 82% ficaram concentrados nas mãos dos que estão na faixa de 1% mais rica, enquanto a metade mais pobre – o equivalente a 3,7 bilhões de pessoas – não ficou com nada. Os dados fazem parte do relatório Recompensem o trabalho, não a riqueza, da ONG britânica Oxfam, divulgado ontem (22). A entidade participa do Fórum Econômico Mundial, que começa hoje (23) em Davos, na Suíça
Um brasileiro que ganha um salário mínimo precisaria trabalhar 19 anos para ganhar o mesmo que recebe em um mês uma pessoa enquadrada entre o 0,1% mais rico. |
Camila Maciel/Agência Brasil
O documento destaca que houve um aumento histórico no número de bilionários no ano passado: um a mais a cada dois dias. Segundo a Oxfam, esse aumento seria suficiente para acabar sete vezes com a pobreza extrema no planeta. Atualmente há 2.043 bilionários no mundo. A concentração de riqueza também reflete a disparidade de gênero, pois a cada dez bilionários nove são homens.
O Brasil ganhou 12 bilionários a mais no período, passando de 31 para 43. “Isso significa que há mais pessoas concentrando riqueza. A gente não encontrou ainda um caminho para enfrentar essa desigualdade”, disse Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.
O patrimônio dos bilionários brasileiros alcançou R$ 549 bilhões no ano passado, um crescimento de 13% em relação a 2016. Por outro lado, os 50% mais pobres tiveram a sua fatia na renda nacional reduzida de 2,7% para 2%. Um brasileiro que ganha um salário mínimo precisaria trabalhar 19 anos para ganhar o mesmo que recebe em um mês uma pessoa enquadrada entre o 0,1% mais rico.
Cinco bilionários brasileiros concentram o equivalente à metade da população mais pobre do país. “O Brasil chegou a ter 75 bilionários, depois caiu, muito por causa da inflação, e depois, nos últimos três anos, a gente viu uma retomada no aumento do número de bilionários. Esse último aumento – de 12 bilionários – é o segundo maior que já houve na história. E o patrimônio geral também está aumentando”, afirmou Rafael Georges, coordenador de campanhas da entidade.
Geração de emprego
A Oxfam aposta na geração de empregos decentes como mecanismos de diminuição das desigualdades, sendo uma das recomendações da entidade. “O que o relatório aponta é que está acontecendo um movimento contrário, inclusive com vários países regredindo em proteção trabalhista”, disse Georges. A organização recomenda ainda limitar os lucros de acionistas e altos executivos de empresas, garantindo salário digno a todos os trabalhadores.
Indica também a eliminação das diferenças salariais por gênero. No ritmo atual, seriam necessários 217 anos para reduzir as disparidades entre homens e mulheres. O relatório pede que os ricos paguem uma “cota justa” de impostos e tributos e que sejam aumentados os gastos públicos com educação e saúde. “A Oxfam estima que um imposto global de 1,5% sobre a riqueza dos bilionários poderia cobrir os custos de manter todas as crianças na escola.”
“Recompensem o trabalho, não a riqueza”
Em referência ao título desta edição do relatório, a Oxfam afirma que atualmente “os níveis de desigualdade extrema excedem em muito o que poderia ser justificado por talento, esforço e disposição de assumir riscos”. Segundo a organização, a maioria das riquezas acumuladas se deve a heranças, monopólios ou relações clientelistas com o governo.
“É um círculo vicioso do qual a gente precisa se livrar. A desigualdade gera desigualdade, quanto mais rico você é, mais dinheiro consegue gerar para você mesmo”, criticou o coordenador de campanhas da Oxfam Brasil. O documento diz que mantendo o mesmo nível de desigualdade, a economia global precisaria ser 175 vezes maior para permitir que todos passassem a ganhar mais de US$ 5 por dia. “O que seria ambientalmente catastrófico”, afirma a entidade.
Kátia destaca que a entidade participa do Fórum Econômico Mundial, em Davos, com o objetivo de levar esse debate para a elite econômica mundial. Ela acredita que é possível reduzir a desigualdade por meio de ações de responsabilidade das grandes corporações. “Essa concentração extrema é também acelerada por diferentes setores da sociedade, então está nas nossas mãos fazer o enfrentamento disso e buscar construir um mundo um pouco mais igualitário, onde as pessoas sejam tratadas de forma mais justa”.
Fórum Econômico Mundial abre debate sobre assédio sexual e fake news
O Fórum Econômico Mundial se transformará a partir de hoje (23) de novo no lugar onde os líderes abordam junto com a sociedade civil e os empresários os grandes problemas do mundo, mas também serão abertos debates atuais como o assédio sexual e a pós-verdade.
A reunião em Davos é vista como uma plataforma única para definir a agenda mundial no início de cada ano, já que diferente do G20, do G7 e outras cúpulas internacionais, não só reúne mais líderes que qualquer outro fórum, mas também mais de 3 mil participantes do mundo econômico, político, social, cultural, acadêmico e científico. Até 5 mil soldados e chefes do Exército suíço e da Polícia farão a segurança e, como é habitual, o espaço aéreo de Davos será fechado durante a reunião anual.
O Fórum já começou ontem (22) a aquecer os motores com a atualização das perspectivas econômicas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e a entrega dos Prêmios Cristal à atriz Cate Blanchett, o cantor Elton John e ao astro de Bollywood, Shah Rukh Khan, por sua liderança na defesa dos refugiados, na luta contra o HIV e os direitos da infância e das mulheres.
Ainda que os 70 chefes de Estado e de Governo que viajarão este ano a Davos tenham um protagonismo inevitável, vários governantes da América Latina, da Europa, do Oriente Médio e da África, bem como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – se este viajar para a Suíça após a paralisação do governo -, o Fórum quer olhar além dos governantes.
Com mais de 1.900 executivos de empresas, 230 representantes de meios de comunicação, quase 40 líderes culturais, outros tantos de organizações internacionais, 35 empreendedores, 80 jovens destacados, 32 pioneiros tecnológicos e 70 responsáveis de sindicatos, organizações religiosas e da sociedade civil, o Fórum Econômico Mundial se transforma em um lugar de debate sobre muitos assuntos de atualidade.
Em mais de 400 painéis e sessões de trabalho, os participantes debaterão como “criar um futuro compartilhado em um mundo fraturado”, lema desta 48ª edição, que será inaugurada na terça-feira com o discurso de abertura do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, como representante da maior democracia do mundo. A ideia por trás deste tema é fomentar a cooperação entre todos os atores da sociedade, segundo o fundador e diretor executivo do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab.
Mas não só para fazer frente a conflitos, mas também para buscar soluções comuns a fim de acabar com a discriminação de gênero, gerar um crescimento e um comércio mais inclusivos, atenuar o efeito da digitalização da indústria sobre os trabalhadores, lutar contra a mudança climática e o assédio sexual, combater as ameaças cibernéticas e adaptar-se às novas tecnologias.
Assim, Davos aborda questões atuais como o movimento #MeToo (Eu também), que começou em Hollywood, mas que afeta mais esferas do mundo político, artístico e empresarial – com um painel intitulado “Gênero, poder e enfrentar o assédio sexual”. Em sinal de apoio às mulheres, o Fórum quis dar um sinal: o encontro de 23 a 26 de janeiro será co-presidido unicamente por mulheres, que são 21% dos 3 mil participantes.
Davos também terá espaço para um debate sobre as “fake news” (notícias falsas) e sobre a pós-verdade, termo usado nos EUA por causa da eleição do presidente Donald Trump para indicar que os fatos não são tão importantes na hora de influenciar a opinião pública quanto apelar para a emoção e às crenças pessoais. O surgimento de novas tecnologias na economia digital e nas finanças, como a tecnologia “blockchain”, uma tecnologia digital que garante a veracidade das operações pela internet, será outra questão atual analisada.
Além disso, o Fórum terá várias sessões dedicadas às ameaças cibernéticas, dados os recentes ataques mundiais a empresas e a interferência russa através das redes em diferentes eleições, e lançará, além disso, o Centro Global para a Cibersegurança para fomentar a cooperação (ABr/EFE).