Jorge Mortean (*)
Para responder a esta questão, basta ligar os seguintes fatos.
No dia 20 de maio, o Irã reelegeu à presidência o moderado Hassan Rouhani, cujo primeiro mandato ficou marcado pela aproximação diplomática com o Ocidente, sobretudo com Washington sob a administração Obama.
É importante ressaltar que o Irã é um país de 80 milhões de habitantes, com 70% da população abaixo dos 40 anos, cujo PIB cresceu 4,6% no ano passado, com uma paridade do poder de compra per capita equivalente à da Turquia (16 mil dólares), uma das maiores relações de doutores por habitante do mundo, que não mantém relações com Washington há exatos 38 anos. Ou seja: um enorme mercado consumidor onde todo mundo acessa, menos os americanos, os israelenses e os sauditas.
No mesmo dia em que Rouhani era reeleito no Irã, Trump visitava a Arábia Saudita e Israel, bem como a OPEP decidia por adiar em 9 meses a retomada de maiores níveis de produção de petróleo, já que o preço do seu barril no mercado internacional se encontra totalmente derrubado. Não por coincidência, após 11 dias, Trump retirou os EUA do Acordo de Paris, não se comprometendo mais em reduzir seu consumo de petróleo e, por consequência, suas emissões de carbono.
Dois dias após o escândalo em Paris, a Arábia Saudita, maior árabe aliada dos norte-americanos no Oriente Médio, rompeu relações com seu “irmão” sunita Catar por apoio ao terrorismo e aproximação com o Irã. Lembrando que o Catar divide com o vizinho ao norte, o Irã, a maior reserva de gás natural do mundo. Em resposta, o Irã permitiu que voos com destino ao Catar começassem a utilizar seu espaço aéreo, após bloqueio saudita.
Passadas 48 horas do bloqueio aéreo saudita ao Catar, o Estado Islâmico, grupo terrorista de cunho sunita, apoiado indiretamente pela Arábia Saudita, perpetua dois ataques na capital iraniana. Prontamente, o Irã reafirmou interromper sua produção e exportação de petróleo caso seja atacado militarmente.
Japão, China, Coréia do Sul e Índia são os principais clientes iranianos (suas dependências ao petróleo persa correspondem a 35% de seus consumos), coincidentemente grandes economias conectadas aos Estados Unidos. Particularmente, Japão e China detêm mais de 50% dos títulos do Tesouro norte-americano, podendo interferir no controle da flutuação do dólar quando bem entenderem.
Caso o Irã interrompa sua produção e exportação de petróleo, é sabido que a Arábia Saudita não tem capacidade de ampliar sua produção a ponto de suprir os clientes iranianos em tempo de evitar um colapso econômico e financeiro. Para agravar a situação, o Irã ainda tem uma carta na manga chamada “controle do Estreito de Ormuz”, que é a passagem para a entrada/saída de navios petroleiros no Golfo Pérsico. Obstruindo tal estreito, o petróleo árabe automaticamente deixará de ser fornecido para os EUA, Europa e, indiretamente, Israel.
E agora cabe uma nova pergunta: seria melhor avisar o Trump sobre esse tiro no pé ou então torcer por sua breve saída da Casa Branca?
(*) – Consultor de Cultura e Negócios Internacionais (Brasil-Irã) da Mercator Business Intelligentsia. Geógrafo formado pela USP e Mestre em Estudos Regionais do Oriente Médio, é pesquisador das relações diplomáticas entre a América Latina e o Oriente Médio.