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Assistência ameaçada

em Opinião
terça-feira, 04 de junho de 2019

Antonio Carlos Lopes (*)

Lamentavelmente, o sistema de saúde do Brasil retrocede a passos largos.

A tragédia anunciada foi ficando cada vez mais iminente quando do congelamento por 20 anos dos investimentos para o setor, aprovado em meio ao Governo Michel Temer. Dessa maneira, praticamente condenou-se à quebradeira e a ineficácia a assistência pública. É preocupante, pois dela dependem exclusivamente cerca de 70% da população, em especial a mais vulnerável do ponto de vista social e econômico.

Os médicos, por amor a seu ofício e pelo compromisso com o próximo, lutam para manter o nível de qualidade. Contudo, não é fácil a tarefa, já que as unidades de atendimento estão sucateadas, faltam medicamentos e pessoal, não há insumos básicos, como gaze e seringas em muitos locais, os recursos humanos seguem desvalorizados e com remuneração defasada. A agravante é que a formação foi tomada de assalto por impérios mercantis.

Maus empresários da Educação vendem cursos de qualidade insuficiente, roubando até os sonhos de jovens que se dispõem a pagar mensalidades astronômicas para se graduar em Medicina e cuidar de gente. O resultado é patente nos exames realizados pelo Cremesp nos últimos dez anos. Em teste de média complexidade ministrado a recém-graduados, a reprovação gira em torno de 60%.

A avaliação mais recente, de 2018, mostra que 88% dos recém-formados não souberam interpretar o resultado de uma mamografia, 78% erraram o diagnóstico de diabete, 60% demonstraram pouco conhecimento sobre doenças parasitárias e 40% não souberam fazer a suspeita de um caso de apendicite aguda. É constrangedor dizer isso, mas meu voto de exercício da sinceridade não deixa alternativa: estamos formando doutores que mal servem para diagnosticar uma gripe ou uma diarreia.

Se imagina que chegamos ao fundo do posso, sinto frustrá-lo. Não, há mais ameaças à vista. Tramitam na Câmara dos Deputados algumas proposituras visando liberar o exercício da Medicina no Brasil a profissionais formados fora do País, mesmo sem que eles provem estar capacitados para atender você. Um deles é o projeto que “altera o art. 48 da Lei de Diretrizes e Bases, para dispor sobre a revalidação e o reconhecimento de diplomas de graduação, mestrado e doutorado expedidos por instituições de ensino superior estrangeira”.

No artigo 4º, estabelece que “os diplomas de graduação dos profissionais do Programa Mais Médicos, ou de outro que venha a substituí-lo, e que tenham cumprido integralmente o contrato tendo sido aprovado em todos os módulos, terão direito a revalidação através da tramitação simplificada (análise curricular) pela própria Instituição de Ensino Superior, devidamente reconhecida pelo MEC”.

Trata-se de um absurdo, um risco à saúde e à vida dos cidadãos. Uma prova de revalidação de diplomas é essencial, para nos certificarmos de que quem nos atenderá a qualquer momento é mesmo um bom médico, e não um curandeiro. Desde seu surgimento, em 2011, o Revalida só reforça que o a qualificação dos formados fora do Brasil deve ser checada por questão de segurança. A reprovação mantém elevados índices: até 2016, 7.821 médicos participaram do processo, dos quais 47,4% não obtiveram média para aprovação.

Faz-se hora de uma ampla mobilização nacional em defesa da saúde. Como médico e professor, tenho certeza de que há remédio, mas depende de nossa capacidade de sensibilizar os gestores que vidas humanas não são brinquedo.

(*) – É presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.