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O Brasil não tem a menor chance de dar certo

em Tecnologia
quarta-feira, 07 de maio de 2025

A afirmação que dá título a este artigo é atribuída a Roberto Campos, um dos mais lúcidos homens públicos deste país, falecido em 2001.

Vivaldo José Breternitz (*)

Em tempos que educação é necessária para que se crie e utilize tecnologia de forma eficiente, vieram a público informações que validam a opinião de Roberto Campos.

Essas informações são trazidas pelo Indicador de Alfabetismo Funcional, produto de um levantamento feito por diversas entidades, dentre elas a Unesco e a Unicef.

Realizado entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, o levantamento mostra que 29% dos brasileiros são analfabetos funcionais, termo aplicado a quem mesmo sabendo ler e escrever, não consegue interpretar textos ou fazer contas um pouco mais complexas – esse número é igual ao de 2018.

Tornando a situação mais grave, o Indicador mostra que entre os jovens de 15 a 29 anos o analfabetismo funcional aumentou: era 14% em 2018 e agora chega a 16%.

A recente pandemia aparece como uma das razões para a piora desses números entre os jovens, já que durante a mesma muitos deixaram de frequentar as escolas ou tiveram seu processo de aprendizagem comprometido – os efeitos da pandemia devem persistir por algum tempo.

A série histórica do Indicador mostra que em 2001, 39% dos brasileiros eram analfabetos funcionais. Esse número foi recuando lentamente até a marca de 27% em 2009, que se repetiu nos levantamentos de 2011 e 2015. Em 2018, subiu para os 29% como no levantamento mais recente, ou seja: mesmo antes de a pandemia a educação no Brasil já era um problema.

Apesar da quase universalização do acesso ao ensino fundamental, bem como a expansão dos ensinos médio e superior, a qualidade segue sendo o maior problema. Mais do que estar na escola, é preciso que esta tenha qualidade, de modo a que os egressos tenham um nível de empregabilidade um pouco melhor.

Em um momento que a economia global é cada vez mais digital, é preciso que os cidadãos não apenas dominem o básico do conhecimento tradicional, como também sejam capazes de navegar pelo mundo digital e interagir com ferramentas de inteligência artificial de modo minimamente satisfatório.

Além do número de analfabetos funcionais ser alarmante, o levantamento também identificou que apenas um em cada quatro brasileiros entre 15 e 64 anos tem nível considerado elevado de habilidade digital. Foi a primeira vez que o levantamento mediu o nível de alfabetização no contexto digital.

Atividades que parecem triviais para alguns, como fazer uma compra online, inscrever-se para um evento por meio de canais digitais ou procurar um filme em uma plataforma de streaming, são desafiadoras para uma infinidade de brasileiros, mostra o Indicador.

Todos esses fatos, somados à absoluta inação das autoridades diante de crimes como o assalto aos aposentados do INSS, à presença de multidões assistindo a um show de uma cantora depravada em Copacabana e a quase certa pouca repercussão do Indicador, fazem com que, infelizmente concordemos com Roberto Campos: o Brasil não tem a menor chance de dar certo.

(*) Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor e consultor – [email protected].