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Voltamos a guardar dinheiro debaixo do colchão?

em Opinião
quarta-feira, 20 de maio de 2020

Jose Matias Filho (*)

Um fenômeno interessante está ocorrendo, já detectado pelas autoridades monetárias, que está sendo chamado de “entesouramento” do dinheiro.

Em tempos de pandemia, as pessoas não só estão estocando gêneros de primeira necessidade, como alimentos, produtos de higiene e limpeza, mas também dinheiro em espécie. De outro lado, muitas empresas também estão retendo em seus caixas dinheiro que já poderia ter sido depositado nos bancos, mas permanecem guardados nos cofres das empresas, e esse fenômeno pode ter vários motivos.

O pedido de antecipação por parte do Banco Central para emissão de dinheiro novo, cerca de R$ 9 bilhões, sinaliza que o dinheiro em circulação não está retornando ao sistema bancário com a velocidade normalmente observada, afetando o fluxo monetário do país e gerando preocupação das autoridades monetárias.

Primeiramente, há uma questão bastante prática, é o fato de que na maioria das cidades brasileiras as pessoas estão sendo orientadas, e em alguns casos obrigadas, a permanecerem em casa, principalmente nos grandes centros urbanos, onde há a maior circulação de dinheiro, por conta da pandemia da Covid-19.

Nesse caso, existe inclusive muita dificuldade para aqueles que normalmente iriam ao banco depositar seu dinheiro, fruto de remuneração recebida por seu trabalho ou venda de produtos e serviços, seja na conta corrente ou em contas de investimento.

Os bancos estão com restrição de atendimento ao público, o que provoca longas filas do lado de fora das agências, desencorajando as pessoas a irem até uma agência bancária, além do fato do aumento do risco de contaminação, ou de assalto, ao permanecerem nas filas. Muitos estão preferindo manter o dinheiro consigo e usar para pagar seus próximos compromissos.

Outra questão importante é a situação dos juros. A taxa básica de juros atual, a Selic, está operando em 3,00% ao ano, mínima histórica em nossa economia. Considerando que essa taxa serve de parâmetro para os negócios financeiros do mercado, uma taxa de juros nesse patamar é muito pouco atrativa para os pequenos investidores, aqueles que aplicam suas reservas na poupança, cuja remuneração atualmente é de 70% da taxa Selic, ou seja, 2,1% ao ano.

Se fizermos uma conta rápida, uma pessoa que possui R$ 1.000,00 aplicados na poupança terá um ganho mensal de apenas R$ 1,73, o que representa muito pouco em termos monetários, principalmente para quem deseja multiplicar o valor do seu investimento. A situação fica ainda mais complicada quando consideramos a inflação.

A meta de inflação projetada pelo governo é de 4% ao ano; nos últimos 12 meses está acumulada em 2,4% ao ano; isso significa que os investidores em poupança atualmente estão “perdendo para a inflação”, pois o dinheiro não está nem mesmo conservando o poder de compra, valendo menos a cada dia.

Existe também um temor latente de parte da população de que a situação possa ficar ainda pior do que está. O chamado “lockdown”, um protocolo extremamente restritivo à circulação das pessoas, que está sendo considerado por várias prefeituras e governos estaduais, e já aplicado em alguns poucos casos, faz com que muitas pessoas se preparem “para o pior”, mesmo não sabendo exatamente qual seria esse cenário.

E nesse caso, o instinto de sobrevivência de cada um predomina, levando as pessoas a fazerem reserva de tudo aquilo que consideram necessário para sua sobrevivência, incluindo aí o meio de pagamento utilizado para obtê-los. Não há, ainda, condições de se fazer uma previsão de quanto tempo irá durar essa situação, e se essa antecipação de emissão de Reais irá resolver o problema do entesouramento.

Mas uma coisa é certa, estamos, todos nós, vivenciando acontecimentos nunca antes experimentados, que estão afetando as relações em todo o planeta e servindo de aprendizado para que nos tornemos mais fortes e preparados para as adversidades, pois certamente essa não será a última pandemia que iremos enfrentar; estaremos melhor preparados para os futuros desafios que surgirão.

(*) – É professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.