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Quanto vale um bem social? O mercado de educação está se questionando

em Opinião
segunda-feira, 15 de maio de 2023

Francisco Borges (*)

Temos visto em setores de serviços e de bens de consumo erros de gestão que destacam que as estratégias precisam ser bem estabelecidas de maneira intensa, quase que uma obsessão.

A exemplo do que se encontra nos diversos setores de negócios, a evolução das formas de entrega, a necessidade de uma gestão mais atenta e cuidadosa com os custos, bem como com a qualidade assumida versus a qualidade percebida pelos clientes, são os drivers mais importantes para a Educação Superior.

Isso considerando o momento em que a vontade/necessidade de consumo parece estar estagnada, associado ao alto endividamento das pessoas físicas após alguns anos de falta de políticas públicas claras indutoras de estímulo ao acesso à matrícula nos cursos regulados. O que vimos acontecer com a HURB, uma estrela do turismo, gestora de vagas sem nunca ter sido dona de um host sequer, é o que chamamos de vender a janta para almoçar.

Com a necessidade de fazer caixa rápido e atender um momento imediato, foram feitas vendas de pacotes com valores muito baixos. E quando foi o momento de entregar os pacotes, os valores cobrados não eram suficientes para cobrir os custos. Daí, para o descontrole financeiro total foi um passo.

Um outro caso de risco de final de operação, mas no setor de bens, de produtos para o lar, chamados de utensílios domésticos, é o da Tok Stok, uma das lojas mais qualificadas e estruturadas, com histórico muito positivo na satisfação do cliente. Ela acabou por dormir na satisfação do passado e não acompanhou a evolução de canais, diminuição de número e tamanho de lojas e despertou para uma reestruturação com o caixa comprometido e uma dívida enorme a ser liquidada.

Ou seja, dormindo em berço esplêndido quando todo o mercado se adequava a uma realidade de baixo custo de estoque e maior agilidade de entrega. Estes casos, como tantos outros, deveriam servir de ponto de atenção para os gestores das famosas IESs, Instituições de Ensino Superior, que estão licenciadas pelo MEC para ofertar cursos de graduação e automaticamente cursos de pós-graduação lato sensu, nas suas áreas de atuação (é como deveria ser).

O momento do setor de negócios chamado Educação Superior é bastante delicado. Algumas variáveis comuns de outros mercados estão sinalizando em vermelho forte, há muito tempo, e a maior das lanternas vermelhas é a quantidade de vagas disponíveis versus a quantidade de vagas ocupadas a cada ano.

Em qualquer segmento de negócios, quando a oferta é maior do que a procura em uma relação de um décimo de ocupação, claramente os preços caem a valores muito baixos e somente as ofertas diferenciadas passam a ser ocupadas, enquanto as outras se tornam cada vez mais desvalorizadas.

Parece muito fora da realidade dos negócios ter um segmento com tanta oferta e com tão baixa procura, sem que o regulador e (ou) os próprios ofertantes se movimentem para extinguir as ofertas de maneira a equilibrar a balança. Um setor onde as vagas são tratadas como um bem tão valioso a ponto de ser preservado, mesmo que não tenha interesse dos candidatos. Como se pudessem ter valor novamente ou resgatar o interesse por alguma mágica — ou mesmo guardadas para uma liquidação especial.

Associado a esta relação tão inconveniente de oferta e procura, existe uma evolução tecnológica e metodológica acontecendo no mundo, na relação de aprendizado com as novas gerações de crianças e jovens que não suportam mais permanecer concentradas por muito tempo, onde as mídias e as linguagens utilizadas não são as mesmas dos padrões de aulas desenvolvidos por décadas, até por séculos.

O modelo da escola de Aristóteles, da escola de ciências da idade média e das séries metódicas voltadas a atender a revolução industrial foram modificados ao longo da história e, na era da informação a escola atual, mesmo no ensino superior, continua com mais do que resquícios de todas as escolas citadas e aplicadas ao longo da história do homem.

As modalidades mais tecnológicas que se apresentam acabam sendo desqualificadas tanto pelas instâncias reguladoras como pelos órgãos de classe que buscam a manutenção de um status quo quase que esquizofrênico, para garantir que o que já existe não seja rompido ou passe por mudanças e renovações tão esperadas.

Se não bastasse o tradicionalismo exagerado, a letargia e a histerese deste segmento, há também a total falta de compromisso com a realidade. Assim, a história de muitas Hurbrs e TokStoks da educação estão por ser contadas, até que a realidade se imponha ao setor. Quanto vale uma vaga no ensino superior, que tem a designação de bem social? O quanto de inspiracional e valor agregado esta vaga trouxer ao seu candidato. Até lá, as IESs cobrarão cada vez menos. E cada semestre terá sempre menos mensalidades.

(*) – É mestre em Educação e consultor da Fundação FAT em Gestão e Políticas Públicas voltadas ao Ensino.