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O capitalismo em suas origens

em Opinião
segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Clemente Ganz Lúcio (*)

“O Capitalismo no século XXI”, de Thomas Piketty, é uma obra de impacto porque vai às raízes do capitalismo, demonstra sua dinâmica histórica e indica desafios para o futuro

Piketty se volta para a literatura clássica para olhar a história e ver como era a vida naquele momento (que hoje faz parte da história), buscando compreendê-la. O ano é 1683, quando, aos 70 anos, a senhora Moll Flanders narra sua vida. É a história dessa mulher que Daniel Defoe (1660-1731), escritor e jornalista inglês, conta em “As venturas e desventuras da Sra. Moll Flanders”, considerada como prosa inglesa moderna do século XVIII, e que se trata de belíssima literatura.

Daniel Defoe produziu uma obra literária que se tornou clássica com livros como “Robinson Crusoé” e “Moll Flanders”, que foram publicados em um período de seis anos (1719 a 1724). A história da senhora Moll é em parte autobiografia do trabalho do próprio autor como comerciante/viajante, da pesquisa na cadeia quando preso, e enfim, é o registro em prosa da leitura de uma vida, de um tempo e de uma realidade.

Além da narrativa de um momento histórico, e estamos falamos de 350 anos atrás, Defoe traz a questão da mulher para o centro da história, relatando, em primeira pessoa, uma vida intensa, como afirmou Virginia Woolf em 1919, “… desde o começo é posto sobre ela (Moll) o ônus de existir. Ela depende de sua própria inteligência e raciocínio para enfrentar cada situação que surge, com uma moralidade de ordem prática que ela mesma forjou para si”.

Mas, estamos no nascedouro da revolução industrial, na base da transição da economia de mercado para a forma capitalista. Moll sai da província e vai viver em Londres, contando as peripécias engendradas para acumular capital para gerar garantia de renda presente e futura, condição para não viver na pobreza, nem submetida e ou subordinada. Acumular capital é condição para sua liberdade. Com a palavra Moll:

“Logo aprendi, por experiência própria, que no tocante a matrimônio a situação mudara, e eu não deveria esperar em Londres o que tivera na província; aqui os casamentos resultavam de cálculos políticos para reunir interesses e fechar negócios, e o amor tinha pouca ou nenhuma participação no assunto”.

“Como dissera minha cunhada de Colchester, beleza, inteligência, cortesia, bom senso, conduta, educação, virtude, piedade ou qualquer outro atributo, físico ou moral, não era recomendação para uma mulher, pois só o dinheiro a tornava atraente; os homens escolhiam as amantes por afeto, e uma cortesã tinha que ser bela, bem-feita, ter rosto gracioso e fino comportamento; com relação à esposa, não havia deformidade que chocasse o gosto, nem defeito que alterasse a escolha: era o dinheiro que contava, o dote nunca era disforme ou monstruoso, o dinheiro era sempre agradável, não impostava como fosse a esposa”.

As libras percorrem cada página, criando a moral correspondente, indicando o cálculo econômico para a sobrevivência, para a poupança e para a formação do capital, os investimentos e a forma de obter renda presente e acumular a riqueza futura.

É próprio para o capital obter taxas de retorno superior ao crescimento econômico, produzindo e ampliando as desigualdades sociais. Defoe revela, na história de vida contada por Moll, as fontes da origem daquilo que Piketty analisa com grande acuidade, algumas das engrenagens do capitalismo.
Leitura para entender o passado, resignificar o presente e para lutar por outro futuro

(*) – É Sociólogo, diretor técnico do DIEESE e membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.