93 views 5 mins

Irmãos siameses

em Opinião
quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Heródoto Barbeiro (*)

Sem dúvida jornalismo e história estão umbilicalmente ligados. Ainda que conjuguem verbos em tempos diferentes.

Para ambos há a necessidade de se fazer uma conferência dos fatos e só depois se mergulhar na interpretação. Já se disse que os fatos são sagrados e a opinião é livre. Historiadores e jornalistas são necessariamente selecionadores, ou como se diz no jargão, editores, aqueles que, em última análise constroem as histórias que serão divulgadas. Eles escolhem o que consideram relevante ou não. O que decidem ser irrelevante volta para o arquivo ou simplesmente é deletado.

Os dois devem ter em mente que a exatidão e a acurácia são deveres e não virtudes. Uma apuração pífia pode resultar em uma reconstituição deturpada do passado, mas quando praticada por jornalistas atinge a reputação de pessoas, marcas ou instituições. Assim, se está em um documento, é verdade. Vale para a carta de abertura dos portos do Brasil, em 1808, ou em um boletim de ocorrência em uma delegacia de policia, ou a ata da última reunião do COPOM.

Jornalistas e historiadores trabalham sobre o que apuraram e os decifram para o público. Precisam ser didáticos, claros, e o mais objetivo que conseguem ser. Ambos pertencem ao presente, ainda que um atue com fatos passados. A história é uma fonte importante para a construção de reportagens e outros trabalhos jornalísticos. Tanto um como outro não podem resumir o seus trabalhos com as providenciais teclas do ctrl C e ctrl V á disposição de todos. Eles não são nem escravos, nem senhores absolutos dos fatos como diz o professor Carr. Há, portanto uma interação continua entre o autor de uma reportagem ou um episódio histórico com o que relatam.

Não vivem isolados em ilhas do conhecimento, mas fazem parte da floresta que divulgam nos seus trabalhos, portanto não estão imunes ás influências do cotidiano, e por isso votam, torcem para times de futebol, usam transporte, vão ao templo e tudo mais que uma pessoa comum pratica no dia a dia. Também têm seus dias de mau humor, mas este não pode ser descarregado em cima dos seus personagens, mais ou menos simpáticos. Qualquer ato que pratique está sempre ligado a sociedade a que pertence.

Jornalista e historiadores são produtos da história. Ambos são influenciados pelo passado e pelo presente. Lembram o deus Jano, em um mesmo corpo tem duas faces. Era o deus da mudança contínua, dos casamentos e nascimentos. Representava a transição da vida primitiva para a civilização, do campo para a cidade, da guerra e da paz, da infância e da maturidade. Ainda que um seja um cientista social e o outro não. Acompanham o fluxo social e eles mesmos são fluxos.

Retratam as relações necessárias que independem de sua vontade e que descrevem a produção social dos meios de produção. Olham para a sociedade, passada e presente, como uma arena de conflitos sociais e identificam os que sustentam e se contrapõem aos movimentos. Todos influenciam o seu trabalho do dia a dia. Ainda que irmãos siameses, dão ênfases diferentes sobre fatos sociais.

Para o historiador a condição de bom marido de Napoleão Bonaparte só interessa se seu casamento influenciou nos acontecimentos da França no século 19. Já para o jornalista pode ser um fato que sustente uma reportagem sobre a convivência de um casal no mundo contemporâneo ou um exemplo que explique uma reportagem sobre o número de divórcios divulgados pelo IBGE.

(*) – É jornalista, âncora do JR News e editor do Blog do Barbeiro ([email protected]).