André Ramos (*)
“Saga do herói” é o nome que se dá para aquelas histórias de superação pessoal, presentes nas notícias sobre startups e até mesmo nas propagandas políticas.
Nada poderia ser mais incompatível do que estes dois mundos, afinal, o senso comum nos diz que estamos falando de um cenário onde predomina a inovação e a agilidade, contra outro em que reina o tradicionalismo e a burocracia. Ainda assim, a saga do herói se aplica a estes dois mundos porque vende! O problema desses “heróis” é que, embora possam nos mostrar que é possível passar por grandes superações, eles nos descolam dos “meros mortais”.
Nós, a população, no subconsciente, passamos a acreditar que eles são pessoas diferentes, ungidas por um poder único e distante, e este sentimento é potencializado quando há maior destaque nas mídias a este tipo de caso de sucesso em detrimento daqueles igualmente relevantes, em que os empreendedores têm uma jornada tradicional, ou melhor, planejada. Há uma parcela muito maior de empreendedores bem-sucedidos que se planejam para atingir seus objetivos do que aqueles que, ao acaso, muitas vezes, por um acaso, resolvem empreender.
Fui professor de empreendedorismo na PUC Goiás e me recordo que havia muita insegurança por parte dos alunos sobre as chances de sucesso. Para muitos, ter sucesso ao empreender era uma coisa muito distante, só acessível para os “Bill Gates da vida”, ou para aqueles que não tinham outra alternativa para viver. Meu trabalho foi desconstruir essa visão, mostrando que, com estudo, ferramentas e pessoas, qualquer um pode empreender e alcançar resultados dignos de destaque.
Eu me considero um empreendedor de sucesso, embora ainda falte muito para atingir os meus objetivos. Minha jornada é de preparação. Meus pais eram professores de segundo grau, logo pode-se intuir que não tive uma infância de luxo, de todo modo nunca faltou orientação e investimento em educação. Quando chegou a hora do vestibular, já sabia que gostaria de empreender, só não tinha certeza se seria na Engenharia de Computação ou na Medicina.
Depois de um longo teste vocacional, acabei optando pela Engenharia, por acreditar que poderia criar produtos que pudessem impactar positivamente o mundo todo e essa continua sendo minha meta de vida. Quando comecei minha jornada empreendedora, as pessoas ainda não falavam sobre o universo das startups ou sobre o processo de inovação.
Ainda na graduação, me envolvi em projetos de iniciação científica e busquei criar soluções para a Saúde, por gostar da área e entender que haviam muitos problemas graves que, se solucionados, trariam grande impacto socioeconômico, primeiro para a minha comunidade e, depois, para o mundo. Publiquei artigos, fiz trabalho de conclusão de curso em Tecnologias para a Saúde e, então, fui para o mestrado na maior referência em tecnologias para a Saúde do Brasil, a Unicamp.
Durante o mestrado, em 2008, busquei me envolver ainda mais com o empreendedorismo e, mesmo lá, em uma das melhores universidades do Brasil, o tema ainda era tabu. Contudo, a universidade já se movia para mudar este cenário e tinha acabado de formar a sua agência de inovação, a INOVA, onde tive a oportunidade de trocar muitas experiências.
Aprendi muito, mas também os ajudei a entender os meus desafios, inclusive, até consegui trazer para o debate vários pesquisadores da universidade, o que foi uma grande vitória, afinal trazer alguns dos melhores pesquisadores do Brasil para discutir questões básicas de uma startup não é nada fácil. Ao finalizar o mestrado, voltei para Goiânia e minha então recém-criada empresa foi incubada no Centro de Empreendedorismo e Inovação da UFG.
Com isso, estreitei relacionamentos com vários pesquisadores e com outros empreendedores que me ajudaram a amadurecer o negócio. Esta jornada durou 10 anos. O brasileiro, por natureza, é criativo e empreendedor, ou seja, é automotivado pela necessidade, mas ainda são relativamente poucos os que se destacam. Um termômetro disso é o ranking dos unicórnios, isto é, das empresas que valem mais de 1 bilhão de dólares, visto que na lista das 100 mais valiosas só há uma brasileira, o NuBank, segundo levantamento da CB Insights de 2021.
Naturalmente há grandes diferenças de perfil entre os empreendedores que buscam ser unicórnios daqueles que empreendem por necessidade, isto é, aqueles que precisam para sobreviver ou empreendem como uma forma de ganhar um pouco melhor. Segundo dados da Global Entrepreneurship Monitor 2019, cerca de 38% dos brasileiros têm vontade de empreender e se você é uma deles antes de agir alinhe as suas expectativas com as suas capacidades, caso contrário, poderá se frustrar.
Quem move o Brasil são os empreendedores à frente dos negócios tradicionais. Os heróis são importantes, eles quebram barreiras e motivam alguns, mas são apenas humanos. Você também pode ser um herói no seu próprio mundo, seja ele no seu bairro, cidade, estado, país ou até no mundo. Basta definir um foco, se preparar e suar muito!
(*) – É CEO da Mindify, healthtech focada na automação de protocolos médicos via Inteligência Artificial.