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Deixe o Cliente ir embora

em Opinião
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Leonardo Barci (*)

Há alguns meses, passei uma ‘régua’ nos serviços de assinatura em casa a fim de ajustar aquelas pequenas despesas que na conta individual não fazem muita diferença, mas no final do mês acabam dando uma apertada no orçamento.

Dois destes serviços me trouxeram um bom aprendizado sobre a Relação entre Empresas e Clientes. O primeiro serviço a que me refiro era de assinatura de áudio livros – iguais aos livros impressos, porém lidos por alguém para que o cliente escute em seu MP3. O segundo era um serviço de acesso à internet direcionado para filmes. Às vezes, a experiência como consumidor traz mais conhecimento e aprendizado do que uma dúzia de livros e palestras…

Quando decidi pelo cancelamento, o site do serviço de livros fez o papel de uma ‘célula de retenção’ – bastante conhecido quando você liga para cancelar o seu cartão de crédito ou serviço de assinatura de celular ou TV e te oferecem mundos e fundos. Automaticamente o site me mostrou uma oferta de desconto por um período para permanecer como assinante. Bem, aquilo foi a primeira tentativa de sedução por parte da empresa. Parei por um instante, fiz algumas contas, mas decidi seguir adiante.

A segunda tela oferecia, além do desconto anterior, alguns créditos de bônus. Novamente fiquei tentado, mas segui adiante. A terceira tela oferecia a opção de paralisar o serviço por um período de 1 a 12 meses. Achei que esta opção se encaixava dento do que eu estava buscando no momento e selecionei 6 meses de parada na cobrança e no serviço. Para o segundo serviço de acesso à internet, entrei no site, e na tela de cancelamento havia apenas a confirmação de que era isto mesmo que eu desejava e então o bloqueio da assinatura foi realizado.

Quase completando 6 meses, milha filha pediu para ativar novamente o serviço de internet, pois ela tinha interesse nele. Algumas negociações para lá e para cá e resolvi entrar no site para ativar.
Imaginava algo muito complicado como efetuar um novo cadastro mas, no momento em que entrei, o site apresentava a opção de reativar o serviço e ainda utilizando as mesmas informações de cobrança que estavam armazenadas. Fiquei feliz com a facilidade e rapidez do processo.

Quase no mesmo período o serviço de livros foi reestabelecido automaticamente. Antes mesmo de saber que o serviço havia sido reativado, vi quando o débito caiu no cartão e, me perguntei do que seria aquela despesa. Me lembrei então que era o serviço que eu havia ‘congelado’. Senti que alguém tirou aquilo ‘da geladeira antes do tempo’. Cheguei à conclusão que eu realmente não precisava do serviço. Descobri que ele me foi muito útil em determinado momento, mas que neste instante não me fazia falta e eu realmente não queria mais a assinatura.

Passada esta primeira surpresa, entrei no site para fazer o cancelamento definitivo e tive uma nova surpresa. Segui com o cancelamento e na última tela antes de completar o cancelamento o site me oferecia uma assinatura por um valor simbólico para que eu tivesse acesso aos livros que eu havia comprado. Descobri que as compras feitas até aquele momento seriam simplesmente desconsideradas caso a assinatura fosse cancelada. A saída foi manter a assinatura através de um valor simbólico para que eu tivesse acesso aos dois últimos livros ainda não ouvidos.

Neste processo todo, descobri algumas coisas importantes sobre a relação Empresa-Cliente: Sim, um serviço de retenção funciona! Se você já trabalhou ou trabalha em empresas de serviços por assinatura ou cartão de crédito, irá descobrir que qualquer valor de desconto dado neste momento funciona para manter o cliente na carteira. As perguntas que tenho me feito são: Quando o cliente realmente quer ficar na empresa? Como respeitar este momento e deixar o cliente livre, sem pressão ou sedução? Como ‘dosar’ esta sedução para que a empresa se mostre, mas ao mesmo tempo deixe a responsabilidade pela decisão na mão do cliente?

Depois destas experiências, tenho a clareza de que o segundo serviço que me deu a possibilidade sem muita sedução de ir embora, oportunizou uma escolha consciente por minha parte. Descobri depois de alguns anos como assinante do serviço de livros que a comunicação inicial não foi clara. Sim, a empresa tem o meu ok de que li o contrato e todas as letras miúdas, mas na prática quase ninguém lê o ‘clique aqui para saber o que você está aderindo’.

Sim, também sei que não posso me omitir por desconhecimento, porém, falo sobre a comunicação clara e intencional de que a empresa quer que o cliente conheça os detalhes do que está aderindo, sem omissões ou letras pequenas. Ao final, marketing é a habilidade da empresa se comunicar e se fazer entender por parte do cliente. A pergunta é: o que a empresa quer comunicar?

Lembrando que comunicação é uma via de duas mãos: a empresa está disposta a ouvir?

(*) – É presidente da youDb, blogueiro da Exame.com e co-autor do livro Mind The Gap – Porque o Relacionamento com Clientes vem antes do Marketing.