Marco Antonio Spinelli (*)
Einstein uma vez foi questionado sobre qual seria a sua pergunta mais importante. A sua resposta foi, como sempre, desconcertante: “O Universo é amigável?”.
Parece uma pergunta boba, mas sua implicação é profunda até para o trabalho de um psiquiatra. A resposta que a Ciência diria é que o Universo não é hostil nem amigável, é uma somatória de leis imparciais e sem intenção, que selecionam os mais aptos e eliminam os mais fracos. É um universo regido por probabilidades sem consciência, sem proteção.
Quando Einstein levanta a possibilidade de um Universo amigável, está questionando a existência ou não de uma ordem profunda, que ajuda a nossa evolução, como uma Mão Invisível, um anjo da guarda, uma Ordem Superior. Se alguém pensou em Deus, está na direção da pergunta do físico alemão. O que eu diria para Einstein é que a expectativa de um Universo amigável ou devorador vai gerar muito da nossa experiência nele.
Nossa expectativa é marcada por experiências que nos são transmitidas, pelos pais, pela família, pela cultura, pelos eventos que marcam e determinam nossa visão do mundo. No momento em que estou escrevendo esse texto, chega uma notícia no celular de um homem que abriu fogo contra pessoas num supermercado americano, na cidade de Bufallo. Mais um “mass shooter”, um atirador em massa, explodindo seu ódio contra pessoas indefesas e desconhecidas. Ele se descreveu como um “supremacista branco”.
Para o atirador e as vítimas e seus familiares vai ser difícil falar de um Universo amigável, ou protetor. O atirador em massa é geralmente uma pessoa isolada, com pouco ou nenhuma estrutura familiar ou inserção social, que se filia a grupos de ódio e explode seu isolamento atirando em inimigos imaginários. Viver ou não no Inferno depende de como alguém se relaciona consigo e com o Outro. Tem mais gente vivendo na selva do ódio que na proteção do afeto.
Há uma história bonita que eu ouvi numa meditação de Tara Brach, maravilhosa terapeuta e mestra budista, que eu vou resumir aqui: “Em tempos muito antigos, havia um mosteiro budista que tinha sido outrora muito próspero, mas que agora experimentava uma profunda decadência. Os monges e as monjas não conseguiam mais cuidar dos outros, e isso se refletia numa horta em que as plantas iam muito mal, morriam e não pareciam ter salvação. Os líderes estavam ficando muito velhos e não tinham força para mudar o ambiente corporativo do Mosteiro.
Um abade, preocupado com a situação, foi falar com uma senhora, uma Velha Sábia conhecida em toda a região por sua sabedoria e conhecimento. Como acontece em muitas situações de aflição, o monge queria uma espécie de tutorial com estratégias para melhorar o ambiente de trabalho e salvar o Mosteiro. A sábia em questão, sendo sábia, não deu a ele nenhuma fórmula pronta. Apenas respondeu que não sabia como ajudar os monges e monjas naquela situação, mas que sabia que naquele lugar havia um Bodhisattva.
Bodhisattva é um ser iluminado e desperto, o que significa que tem um Coração Desperto, capaz de promover e estimular a iluminação dos seres. O abade voltou ao Mosteiro e dividiu com os monges o que disse a Velha Sábia. Nos dias que se seguiram começou a acontecer mudanças profundas nas pessoas, que passaram a se tratar com respeito e reverência, imaginando que a pessoa na sua frente poderia ser o Ser Iluminado. O Mosteiro voltou a prosperar, as plantas e as pessoas foram cuidadas e a comunidade beneficiada.
Essa Sábia poderia muito bem responder para o Einstein que não sabia se o Universo é ou não amigável, mas que havia um Bodhisattva dentro dele. E que ele pode ter o Coração Desperto que muda o mundo. Podemos ver nas pessoas o que elas possuem de pior, podemos pensar no ser humano a partir da estupidez, da ignorância ou da loucura que faz um cidadão disparar contra pessoas indefesas no supermercado. Ou podemos ter a esperança em despertar a natureza profunda das pessoas, que é de Bondade Amorosa.
A mágica dessa parábola é que, quando tratamos as pessoas como se elas fossem esse Ser Iluminado, tudo cresce e a vida volta a prosperar. Quando tratamos o Outro como lixo, ele pode abrir fogo entre as gôndolas do supermercado.
(*) – É médico, com mestrado em psiquiatria pela USP, psicoterapeuta de orientação junguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”.