Gaudêncio Torquato (*)
A propaganda eleitoral invadiu nossas casas. O eleitor se guiará por ela quando for às urnas neste domingo? Afinal, quando um eleitor opta por um candidato, que fatores balizam sua decisão? Esta foi a mais instigante questão da campanha. A resposta abriga componentes relacionados ao conceito representado pelo candidato e ao ambiente social e econômico que cerca os eleitores.
No primeiro caso, o eleitor leva em consideração valores como honestidade; simplicidade; competência/ preparo; capacidade de comunicação; entendimento dos problemas; arrogância/ prepotência/ valentia e simpatia. Sob outra abordagem, o voto quer significar protesto, castigo aos atuais governantes e a candidatos identificados com eles, vontade de mudar ou mesmo aprovação às ideias de protagonistas que lutam pela reeleição. Neste caso, os pesos da balança assumem o significado de satisfação/ insatisfação; ou confiança/ desconfiança.
A questão seguinte é saber qual a ordem em que o eleitor coloca essas posições na cabeça e por onde começa o processo decisório. Não há uma ordem natural. O eleitor tanto pode começar a decidir por um valor representado pelo candidato – simpatia, preparo, capacidade de comunicação – como pelo cinturão social e econômico que o aperta: carestia, violência, desemprego, insatisfação com os serviços públicos precários etc. Os dois tipos de fatores tendem a formar massas conceituais – boas e ruins – na cabeça do eleitor. A exposição dos candidatos na mídia criou impressões no eleitorado. E as impressões são mais positivas ou mais negativas, de acordo com a capacidade de o candidato formular ideias e apresentar respostas aprovadas ou desaprovadas pelo sistema de cognição dos eleitores.
Mas a rejeição pode derrubar candidatos: naquele candidato, não voto de jeito nenhum. Qual a lógica para a priorização que o eleitor confere a candidatos? Nesse ponto, cabe uma pontuação de natureza psicológica. As pessoas tendem a selecionar coisas (fatos, conceitos, eventos, perfis) de acordo com os instintos natos de conservação do indivíduo e preservação da espécie. Ou seja, o discurso mais impactante e atraente é o que dá garantias às pessoas de que elas estarão a salvo, tranquilas, alimentadas, confortáveis. Portando, o discurso voltado ao estômago do eleitor, ao bolso, à saúde, é prioritário. Tudo que diz respeito à melhoria das condições de vida desperta a atenção. Depois, as pessoas são atraídas por um discurso mais emotivo, relacionado à solidariedade, ao companheirismo, à vida familiar.
Esses apelos disparam os mecanismos de escolha. Se a insatisfação social for muito alta, os cidadãos tendem a se abrigar no guarda-chuva de candidatos da oposição. Se candidatos com forte tom mudancista provocarem medo, as pessoas recolhem-se na barreira da cautela, temendo que um candidato impetuoso vire a mesa abruptamente. Assim, mesmo com certa raiva de candidatos apoiados pela situação, os eleitores assumem a atitude dos três macaquinhos: tampam a boca, os ouvidos e olhos e acabam votando em candidatos situacionistas.
O maior desafio de um candidato de oposição, dentro dessa lógica, é o de convencer o eleitorado de que garantirá as conquistas dos seus antecessores, promovendo mudanças que melhorarão a vida das pessoas. Simples promessa não adiantará: é preciso comprovar tim-tim por tim-tim como executará as propostas. O apoio de grandes patrocinadores elege candidatos? Depende. O fato é que o eleitor busca autonomia, vota pela análise comparativa entre perfis. Lula e Bolsonaro já não têm tanta força para influenciar o eleitor. Fato: eventual derrota de Boulos em SP, cairá no colo de Lula. Eventual derrota de Nunes também será repartida com Bolsonaro. Já eventual vitória de Marçal não será compartilhada com Jair Messias.
A decisão levará em conta uma trajetória amparada na coerência, na experiência, na lealdade, na coragem e determinação de cumprir compromissos. Proposta séria e factível transmitida por candidato desacreditado não colará. Os dois tipos de componentes que determinam as decisões do eleitor – as características pessoais dos candidatos e o quadro de dificuldades da vida cotidiana – caminham juntos, amalgamando o processo de decisões dos cidadãos.
O marketing político bem-feito foi aquele que procurou juntar as duas bandas, costurando aspectos pessoais com os fatores conjunturais, conciliando posições, arrumando os discursos, analisando as demandas das populações, criando ênfases e alinhando as prioridades. O que o marketing fez, na verdade, foi acentuar os estímulos para que o eleitor possa, a partir deles, tomar decisões. E os estímulos começaram com a apresentação pessoal dos candidatos, a maneira de se expressar, de se vestir. Os cenários aguçaram ou atenuaram a atenção. A fluidez de comunicação, a linguagem mais solta e coloquial cria um clima de intimidade com o eleitor. As propostas pecaram por ser genéricas.
O eleitor, enfim, é uma caixa-preta, no sentido de causar surpresas. Na eleição deste ano, se escondeu mais que em campanhas anteriores. Está mais desconfiado e crítico. Não quer comprar gato por lebre. Sua taxa de racionalidade aumentou. Desvendar o quê e como pensa foi o maior desafio dos candidatos.
(*) Escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político