Paulo Sergio João (*)
2020 fica para a história para além das questões políticas, por todos os eventos decorrentes das transformações provocadas pelo Covid-19 nas relações de trabalho.
Este final de ano foi muito esperado e foi chegando sem grandes recortes de momentos tradicionais como a festa da firma, as confraternizações com amigos, as compras de presentes, os shoppings abarrotados. Inegável que estamos vivendo um momento inusitado e com diversas avaliações das experiências colhidas no chamado “novo normal”. Cada um se adaptou como pôde e fez os ajustes que puderam ser feitos.
No caso brasileiro, a chamada reforma trabalhista da Lei nº 13.467/17 ainda caminhava no mar de controvérsias de sua aplicação pela doutrina e pelas manifestações de magistrados. A CLT, que foi criticada rotineiramente durante anos pelas suas disposições supostamente antiquadas, desatualizadas e pela manutenção de um sindicalismo cartorário, de repente passou a ser vista como mal menor ou como se pudesse representar melhor forma de proteção social.
Em 2020, toda essa discussão foi atropelada pela pandemia. Os debates mudaram de patamar e passaram a ser outros: isolamento para se proteger, trabalho a distância para manter a atividade profissional, garantia de emprego e renda para superar o momento que alguns consideravam de curta duração. As empresas tiveram de se adaptar para sobreviver nas dificuldades e conseguir superar o intenso nevoeiro que tomou conta de todos. Alguns acharam logo a lanterna, mas grande parte ainda está à sua procura.
A pandemia nos empurrou para soluções urgentes e a tão criticada reforma trabalhista serviu para guiar os novos modelos e ajustes nas relações de trabalho. Assim, nas atividades em que foram possíveis, o teletrabalho e o trabalho em home office foram destaques na sustentação de empregos e na continuidade da prestação de serviços. O TST acaba de disponibilizar no seu sítio aspectos que considera relevantes sobre o teletrabalho, inclusive sua adoção no serviço público (“Teletrabalho: o trabalho onde você estiver”) e traz dados relevantes que foram publicados na edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE e informa que:
“No período da pandemia, mais de 7,9 milhões de pessoas ficaram em trabalho remoto no Brasil. O número se manteve dentro dessa média desde maio, data de início da coleta dos dados. No período de 3 a 9 de maio, por exemplo, a quantidade de pessoas trabalhando remotamente foi de 8,5 milhões de pessoas”. Essa realidade obrigou, de modo inexorável, à valorização da confiança e da boa-fé nos contratos de trabalho e no enfrentamento do novo normal que cada qual suportou e vem suportando.
Na realidade, ainda vivemos nas interpretações das leis de emergência e na reforma trabalhista com seminários, webinars com variações temáticas, segundo as apresentações dos interessados, podendo ser “relações de trabalho na pandemia”, “novo normal e relações trabalhistas”, “negociado sobre o legislado na pandemia”, “a reforma trabalhista e suas inconstitucionalidades”, “compliance na pandemia”, “o coronavírus e o ambiente de trabalho” e, mais recentemente, discute-se que a contaminação por Covid-19 seja considerada doença profissional.
Os litígios não serão poucos e no futuro a jurisprudência vai desempenhar função relevante na avaliação dos momentos atuais. As discussões em torno das novas formas de prestação de serviços, chamada gig economy, não são novas e em todos os momentos da história do Direito do Trabalho os embates foram na visão binária clássica de considerar o trabalhador como empregado e não empregado. O que temos de novo efetivamente é a velha ausência de proteção social fora da relação de emprego.
A pandemia jogou trabalhadores na luta pela sobrevivência, aguçando a desproteção social de sempre. De fato, estamos numa passagem histórica, em que as regulamentações oriundas do Ministério da Economia, do Ministério Público e do Judiciário devem ser vistas com certo cuidado pois representam tentativas de esclarecimentos sem valor jurídico efetivo. A surpresa do momento permitiu que manifestações de diferentes origens surgissem a fim de servir de lanterna no nevoeiro. Todavia, o campo de iluminação é pequeno e não seria capaz de iluminar o mesmo caminho para todos.
O ano de 2021 vai carregar as chagas de 2020 e as lições da crise devem servir para a reconstrução de novas formas de proteção social, porque a pandemia nos empurrou para as evidências que sempre estiveram presentes. Gostaria muito de que este artigo fosse um relato de uma época passada, mas, infelizmente, em 2021 vamos continuar enfrentando dificuldades. Com a chegada da vacina, esperamos que 2020 vire história de um tempo que passou e que serviu para ajudar a transformar o futuro.
(*) – É advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas.