Silvio Sallowicz (*)
Conhecido pela sua riquíssima cultura milenar, o Japão é o berço de um povo resiliente e sábio, capaz de se reerguer frente às mais difíceis adversidades. Além disso, os japoneses são sempre lembrados pelo seu forte senso de comunidade e uma capacidade ímpar de conviver pacificamente e sem conflitos.
Essas virtudes são tão enraizadas que existem até mesmo expressões únicas dentro do idioma japonês que traduzem esses ensinamentos cheios de sabedoria.
Confira, a seguir, alguns desses conceitos, que, quando aplicados no dia a dia, podem mudar a sua vida para melhor:
Wabi-sabi: significa humildade e simplicidade em harmonia com a natureza (wabi) e capacidade de aceitar o ciclo de vida das coisas (sabi). Ou seja, esse conceito se baseia na aceitação da transitoriedade e na imperfeição. Trata-se de acolher a ideia de que o belo é imperfeito e incompleto e que podemos encontrar plenitude nas imperfeições. Pressupõe, ainda, reconhecer que nada é perfeito, nem você e nem ninguém. Por este raciocínio, compreendemos que tudo na vida tem uma fissura. Só que é este orifício que permite a entrada da luz. Ou seja, nem sempre as marcas do tempo precisam ser ignoradas ou apagadas. Pelo contrário: quando reconhecemos a nossa própria história, nós nos permitimos enaltecê-la, entendendo que cada sofrimento nos ajudou a sermos quem somos para nos tornar mais fortes.
Kaizen: vem de ‘kai’, que significa ‘mudança’, e ‘zen’, que significa ‘bom’. Ou seja, kaizen é “mudança para melhor” ou “melhoria contínua”, e pode ser aplicada tanto no trabalho como na vida em geral. Portanto, sejam grandes ou pequenos, indica a importância dos avanços diários a fim de perseguirmos uma vida melhor e mais equilibrada. No mundo dos negócios, o kaizen é visto como a capacidade de melhorar constantemente todos os processos de uma empresa. Inclusive, virou um método de gestão em prol do aumento de eficiência corporativa. O mais conhecido caso de aplicação da filosofia kaizen no mundo corporativo é o Sistema de Produção Toyota (Lean Manufacturing), que surgiu nos anos 1980. Em síntese, a filosofia kaizen preconiza que hoje seja melhor do que ontem, e que o amanhã deve ser melhor do que hoje.
Gaman: termo ligado ao zen budismo, é uma das bases do espírito comunitário e resiliente dos japoneses. Traduz uma postura de vida que se adota perante a vida em sociedade, na qual cada indivíduo deve ser paciente e perseverante, ao se deparar com situações difíceis ou inesperadas. O pilar central do gaman é, então, manter a calma e a harmonia do grupo, evitando conflitos desnecessários e, principalmente, priorizando o respeito ao próximo. O termo está, assim, relacionado ao modo como o povo japonês supera obstáculos, desde os cotidianos até os mais complexos. Por exemplo, no nosso dia a dia, devemos colocar a filosofia gaman em prática quando nos deparamos com uma longa fila, onde temos de ter resignação. Ou na maneira com que uma comunidade se mantém serena, com grande capacidade de se organizar e se manter no controle, após um desastre natural. Essa postura, quando adotada em sociedade, prega, portanto, o respeito e o autocontrole, a fim de atingir o bem comum.
Ikigai: todos precisam ter um objetivo na vida, e é isso o que diz a palavra Ikigai. Significa “razão para viver” ou a razão pela qual nos levantamos da cama todos os dias. Ou seja, o termo tem relação total com nossa motivação para viver. Assim, a filosofia do ikigai propõe uma busca pelo autoconhecimento, a fim de descobrir qual é verdadeiramente a força que nos move para uma vida melhor. Tem a ver, portanto, com a conquista de maior satisfação e significância na nossa existência. Precisamos, mais do que nunca, introduzir essa forma de pensar nas nossas vidas. Isso porque na sociedade atual, marcada pela velocidade das mudanças e pelo imediatismo, existe uma forte tendência à realização das tarefas de modo mecânico. O ikigai evidencia as questões existenciais para o sucesso e felicidade de cada um, seja na área profissional ou na pessoal. Para tanto, a recomendação é buscar o autoconhecimento e a identificação de nossas paixões, vocação e missão. Desta forma, o ikigai tem o potencial de revelar um propósito maior, atribuindo mais sentido às nossas vidas.
Oubaitori: a ideia de não ficar se comparando com os outros traduz a filosofia oubaitori, que é complementar ao ikigai. Equivale a dizer que precisamos nos valorizar e acessar nossas capacidades únicas. Afinal, ficar fazendo comparações, além de não levar a lugar algum, faz dissipar uma energia que poderia ser direcionada para desenvolver algum talento pessoal. Ligada às famosas cerejeiras, símbolos do Japão, o termo oubaitori significa “as árvores só florescem na primavera”. A ideia central é que todos têm o momento certo para alcançar o seu apogeu. Ou seja, não vale a pena se comparar com outros e acreditar que você tem menos ou está ficando para trás. Lembre-se: a jornada de cada pessoa é algo único e individual e cada um tem o seu tempo.
Shikata ga nai: essa expressão, em japonês, significa “não tem jeito” ou “não pode ser mudado”, refletindo a ideia de que há momentos em que precisamos apenas aceitar a realidade, porque nem sempre temos controle sobre todas as situações. Indica que precisamos ter a capacidade de aceitar até mesmo os momentos mais desafiadores, quando não há nada que possa ser feito para evitá-los. Assim, o Shikata ga nai parte do princípio que é preciso reconhecer a situação e manter a dignidade para transpor tempos ruins que, muitas vezes, são inevitáveis. Ou seja, a expressão traz um alerta para que vivamos plenamente o momento presente. Simplesmente porque frustração ou raiva quase sempre são sentimentos desnecessários, que só afetam negativamente nossa saúde. O conceito de shikata nai, desta forma, pode ser uma das chaves para explicar a longevidade do povo japonês.
(*) É CEO da Duo & Ecco.