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Não podemos permitir que salas de cinema virem museus

em Economia da Criatividade
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Por definição, cinema é “arte de compor e realizar filmes para serem projetados; sala de espetáculos onde se vêem projeções cinematográficas”. Quando os irmãos Lumière inventaram o cinema com a primeira projeção de seu filme “Trem Chegando na Estação” em 1895 em um café em Paris, os espectadores que ali estavam entraram em pânico. Todos achavam que seriam atingidos pelo trem que viam na projeção.

Mais de cento e vinte anos depois de sua invenção, o cinema continua a despertar diferentes emoções nos espectadores. Vamos ao cinema em busca de um ambiente preparado para fazer a gente esquecer do mundo lá fora e mergulhar em um mar de possibilidades.

Na minha infância, ir ao cinema era um evento, tinha que se programar para chegar cedo para comprar ingresso, pegar um bom lugar, comprar pipoca, apreciar os trailers desde o comecinho, ou seja, aproveitar todas as vantages que ir assistir a um filme no cinema nos proporcionava.

Perdeu o filme quando ele estava no cinema? As video locadoras eram o caminho. Quem não se lembra da Blockbuster, um oásis aos olhos dos cinéfilos assíduos que chegavam ansiosos às prateleiras em busca dos mais novos lançamentos, com a esperança de que pelo menos uma das cinco cópias daquele filme estivesse disponível. E que sentimento bom era sair da locadora com o filme nas mãos. Só quem viveu sabe.

No momento em que as video locadoras começaram a fechar as portas devido ao avanço dos serviços de streaming, ficava evidente que a indústria do entretenimento estava passando por uma transformação.

Com a crescente disponibilidade de filmes e seriados no formato digital, a demanda por mais serviços de streaming e conteúdo cresceu exponencialmente. A Netflix, que nasceu como um serviço de entrega de DVD pelo correio, é sem dúvidas líder no segmento e tem hoje uma lista de adversários de respeito, como Amazon Prime Video, Disney+, Peacock, HBO Max, Hulu e AppleTV+.

E quanto mais serviços de streaming, mais é a demanda por conteúdo. Com os conteúdos originais dessas plataformas e os preços altos dos ingressos, quem não ia muito ao cinema passou a ir menos ainda.

Aí veio a pandemia, que acelerou um processo que já estava acontecendo há alguns anos e impactou a indústria do entretenimento profundamente. De um lado havia uma audiência faminta por conteúdo com a esperança de fugir do tédio no isolamento, e do outro uma indústria impossibilitada de produzir conteúdo devido às restrições impostas pela pandemia.

Filmes que teriam suas estreias exclusivamente nos cinemas passaram a ser lançados simultaneamente nas plataformas on demand, numa tentativa de atrair espectadores que não se sentiam confortáveis em ir aos cinemas.

Acontece que esse novo formato veio para ficar. Com uma quantidade cada vez maior de conteúdo para todos os gostos nas plataformas digitais, até os mais peculiares, ir ao cinema vai ficando cada vez mais em segundo plano na rotina do público em geral. Nossas crianças e adolescentes, crescendo nessa era digital que promove uma enchurrada de conteúdos a serem consumidos ao toque de seus dedos, se vêem cada vez mais distantes de experiências cinematográficas completas. Assistir a um filme de duas horas passou a ser um compromisso que nem todos estão dispostos a assumir, devido a quase que ilimitada quantidade de conteúdos disponíveis na internet.

Muitos asseguram que as salas de cinema seguirão firmes e fortes, mas não podemos negar o impacto que estas vêm sofrendo, com quase 600 salas fechadas durante os últimos dois anos somente no Brasil.

Vamos permitir que as salas de cinema que nos proporcionaram tantos momentos marcantes virem museus?

Marina Vecchi é Produtora Audiovisual e Mestre em Produção de Cinema pela Full Sail University, nos Estados Unidos. Marina atuou no setor de Home Entertainment da Sony Pictures Brasil como Assessora de Imprensa. Já nos Estados Unidos, trabalhou como assistente de produção em séries como “Westworld”, “Kidding”, produzida e protagonizada por Jim Carrey, o clássico da tv americana “The Goldbergs” e a série original do Youtube vencedora do prêmio Emmy 2020, ‘Could You Survive the Movies?’. Agora baseada em Seattle, Marina atua no departamento de cinema do estado de Washington na aprovação e suporte de produções cinematográficas e séries de tv produzidas na região com o incentivo do estado.