Marco Antonio Spinelli (*)
Um modelo de felicidade para mim é levar minha cachorrinha, Bella, para passear. Uma atividade que o resto da família não curte e não reproduz quando eu não posso fazê-lo. Provavelmente porque acham a tarefa muito chata. Eu também acho a tarefa em si, tediosa.
Mas daí que vem o truque que vai ser o fio condutor desse artigo: “Como transformar uma atividade chata em uma atividade feliz”. Para adotar um formato mais “Youtúbico”, vamos falar das “Cinco mindsets de ser feliz levando sua cachorrinha para passear”. Confira:
- – Desprendimento – Vivemos numa época de razoável conforto e acesso à comida. Se temos o que comer e um teto sobre nossa cabeça, a tal da Felicidade que vem depois, hoje em dia, depende da nossa capacidade de consumo: os gurus da felicidade prometem uma vida extraordinária se você trabalhar muito, ganhar muito e estar entre o um por cento dos caras que dominam essa ou aquela técnica para ganhar prestígio, dinheiro e bom manejo da Lei da Atração.
Passear com a Bella, pelo contrário, exige apenas um tênis, uma roupa confortável e um terreno sem lama e com uma temperatura que não machuque as patinhas da mestiça de Pitbull com Boxer. Passear com ela pode levar a um Mindset propício à Felicidade: o desprendimento das preocupações e medos, para apreciar um simples passeio pelas ruas esburacadas da cidade. Sem metas a bater.
- – Conexões – A Universidade de Harvard fez um estudo de oitenta cinco anos, iniciado nos anos 30 do Século passado, onde seguiram as pessoas do nascimento ao último suspiro para saber, no fim de tudo, o que definia para essas pessoas, depois de uma vida de lutas, sacrifícios e altos e baixos que caracterizam as vidas de nós-outros, o que realmente gerava felicidade.
O resultado mais predominante é que, ao final de uma vida, a Felicidade poderia ser medida pela capacidade de conexões com pessoas, redes de apoios, famílias, onde a pessoa pudesse se sentir parte de algo e ser validada, considerada dentro dessa rede de conexões e pertencimento. Isso quer dizer, então, que a Felicidade é um patrimônio apenas dos Extrovertidos e das pessoas com boas habilidades sociais? Os tímidos estão fadados à infelicidade?
Claro que não, mas a capacidade de se conectar à vida, seja com amizades, família, trabalho, arte, interesses diversos, é um marcador da sensação de Felicidade. Bella se conecta profundamente com o passeio, tudo cheira e deixa suas marcas e seu legado com pequenos xixis. E nunca foi para Harvard.
- – Frustração – Os gurus da Autoestima saem por aí gritando que a Felicidade depende diretamente, claro, de nossa Autoestima: se você se amar o suficiente, tudo vai funcionar bem em sua vida. Esse senso comum vem desde as últimas décadas do século passado, o que gerou algumas fornadas de pais muito preocupados com a autoestima de seus rebentos.
Não há nada de errado com a ideia, o problema começa a surgir quando cuidar da autoestima vira criar uma bolha onde a criança não pode sofrer nenhuma frustração. Nem derrota.
Temos gerações de pessoas que, se não podem fracassar nem cometer erros, ficam paralisados em casa e vivem em um mundo virtual onde tudo dá certo o tempo todo. Bella às vezes cheira o arbusto por tempo demais ou quer ir dar uma cheirada na moça que passa na rua com o olhar meio assustado.
Bella é o ser mais doce do planeta e tem medo de um Chiwawa (também tenho), mas tem uma cara meio ameaçadora. Tem gente que não gosta e tem medo. Ela, então, toma um puxão na trela se quer ir abanar o rabo para a desconhecida. O passeio vai bem se ela pode respeitar os limites e, às vezes, fracassa diante de chuva ou outra condição atmosférica. Sem limites e frustrações, não há aprendizado. Bella não parece ter problemas de autoestima.
- – “Outridade” – Esse mindset depende do ítem anterior: uma condição de nossa vida atual é ligar a sensação de Felicidade com a capacidade de se colocar acima e adiante de qualquer outro interesse na vida. Ouvimos frases do tipo: a sua prioridade é você! Você merece! Vá atrás de seus sonhos! e assim por diante. Isso significa que o Autocuidado é uma coisa, em si, negativa? Claro que não.
Olhando o ítem acima da capacidade de conexão, não é difícil concluir que, estabelecer conexão com você mesmo e seu corpo pode e deve ser uma fonte de Felicidade. Mas nessa época de gigantescos Egos e gigantescos Eus, não dá para mensurar uma melhora dos índices de felicidade nessas pessoas fascinadas em mostrar nas Redes Sociais como são bárbaras e como sua Felicidade é ruidosa. E de plástico. Elas são mais felizes? A ciência diz que não.
Parece que a Outridade, ou a Alteridade, gera uma sensação mais sólida e mais legítima de Felicidade, ou seja: proporcionar felicidade ao Outro gera mais recompensa do que ficar imerso no gigantesco Eu que come o mundo. Quando eu chamo a Bellinha para passear, a alegria dela aos pinotes é uma fonte segura de Felicidade para o passeio. Os segundos que vão do convite até a trela são muito legais e produzem efeito duradouro em mim, assim como ver pessoas queridas felizes. Um modelo de Felicidade.
- – Mente de Principiante – Eu tento mudar de percurso em nossos passeios, mas pode ser que ele seja repetido alguns dias. Bella repete o mesmo caminho como se fosse a primeira vez, explorando cheiros, cantos, pneus de carros como se fosse a primeira vez. Os praticantes de Meditação chamam isso de Mente de Principiante, que é acessar as experiências como se fosse a primeira vez.
A Neurociência tem um nome bacana para isso: o “Rewirement”, que é a capacidade de se experimentar a mesma situação procurando novos ângulos e novas possibilidades. Achar novidade no que é usual. Como Bella reexplorando o caminho e achando novas possibilidades. Como achar divertido o que é comum. Pense no benefício para todas as tarefas chatas e as relações repetitivas. Quer aprender? Leva a Bellinha dar um rolê.
Somos seres capazes de atribuir significado ao nosso dia a dia. Antes de encontrar o Sentido, devemos atribuir Significado. A perda do Significado da vida, e consequentemente, do Sentido, está na raiz de nossas doenças do Desespero, como Depressão, Dependência Química e Suicídio. Temos a solução: leva a Felicidade para um passeio. E treine. É um treino. – OBS: esse texto é inspirado pelo trabalho da pesquisadora de Felicidade Laurie Anderson e o Mindfulness de Jon Kabat-Zinn.
(*) – É médico, com mestrado em psiquiatria pela USP, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”.