Ezequiel Silva (*)
Muito se tem comentado sobre o desafio em se contratar profissionais de tecnologia no mercado brasileiro. De acordo com a Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), o déficit dessa categoria no país deve chegar a 797 mil até 2025.
Soma-se a esse fator a explosão de investimentos recebidos pelas scale-ups brasileiras em 2021, triplicando o valor investido por VCs no ecossistema de tecnologia. Nos últimos anos, com o impulso de novos investimentos, multiplicou-se no Brasil a quantidade de startups em operação — cujo CTO ou líder de tecnologia é uma peça fundamental na estruturação e aceleração do negócio, tipicamente um dos membros “core” do time de founders.
Nesse mercado cada vez mais aquecido e de demanda crescente, recrutar lideranças tem se tornado um verdadeiro desafio, tanto para o ecossistema tech e de scale-ups quanto para grandes corporações que buscam se transformar e se digitalizar de forma mais acelerada, sobretudo com o advento da pandemia.
E, ainda que não tão comumente, temos observado cada vez mais mudanças das lideranças do mundo das grandes corporações para o das scale-ups e vice-versa, aumentando a competitividade por esses talentos, sejam eles CTOs (Chief Technical Officers), CDOs (Chief Digital Officers) ou CIOs (Chief Information Officers).
- Definindo o “arquétipo” ideal — e explorando diferentes alternativas – Um dos pilares fundamentais ao iniciar um processo de busca de uma liderança de tecnologia é definir o perfil ideal do candidato.
Estabelecer as competências-chave para a posição nos leva a distintos “arquétipos” a serem avaliados, levando em conta o momento do negócio, os desafios pela frente e a experiência dos talentos disponíveis no mercado. Em um cenário competitivo como o atual, e considerando a maturidade do mercado brasileiro, ainda são poucos os candidatos que possuem todas as competências e experiências que as empresas estão procurando.
O “CTO de Unicórnio” — que combina um conjunto forte de competências com a experiência de liderar grandes equipes de tecnologia em um cenário de crescimento agressivo – ainda é raro e está sendo muito disputado, tipicamente preso em incentivos de longo prazo que tornam inviáveis uma mudança de curto prazo.
Assim, vislumbramos muitos candidatos considerados “CTOs de Potencial” — tipicamente o VP de Engenharia, número 2 na organização, que tem as competências em formação, mas o potencial para assumir a posição #1. Também observamos uma nova geração que, embora tenha menos profundidade técnica, possui base para liderar as áreas de forma combinada.
Finalmente, existem candidatos com um background que se enquadra bem tanto em ambientes grandes em transformação quanto nas scale-ups: eles têm um “DNA de crescimento”, geralmente com experiência em setores que se transformaram profundamente nos últimos anos — como serviços financeiros e varejo.
- Expandindo as geografias de busca – Além das particularidades de cada posição e de cada perfil desejado, os próprios talentos têm sido bem criteriosos em relação a quais entrevistas aceitar.
Além disso, houve uma movimentação muito grande nos últimos dois anos no mercado brasileiro, limitando o pool potencial de candidatos — mais de 50% dos candidatos mapeados em nossas buscas recentes se realocaram há menos de 18 meses e não estão interessados em um novo desafio, número significantemente maior do que em outras funções.
Dessa maneira, além de expandir o pool de busca para outros “arquétipos”, é fundamental também vasculhar outras regiões, como diferentes mercados latino-americanos e mercados mais maduros como o dos Estados Unidos. Uma rede forte de contatos e expertise em distintas localidades pode ser fundamental para o sucesso dessa busca.
- Abrangência, profundidade e cuidado na avaliação de competências – É preciso ainda avaliar que a expertise técnica deixou de ser o aspecto principal para a contratação, ainda que continue importante, particularmente para as scale-ups em estágio mais inicial.
Outras competências têm se tonado cada vez mais relevantes, como o “viés de ação” para tomar decisões de forma rápida e pragmática para o ambiente de alto crescimento, com uma leitura “bifocal” do negócio — equilibrando a visão estratégica de longo prazo da empresa/mercado com a capacidade de rapidamente mergulhar no detalhe da execução.
Os líderes em tecnologia têm se transformado em verdadeiros catalisadores de inovação dentro das scale-ups e corporações e, muitas vezes, são responsáveis por destravar a capacidade da organização de alcançar os resultados almejados.
Adicionalmente, as “soft skills” já se tornaram fundamentais no momento de escolha de novos gestores em tecnologia — demandando forte capacidade de liderança e desenvolvimento dos talentos, fundamentais na atração e retenção do time de tecnologia. É importante ainda mapear e avaliar elementos como senso de dono, resiliência e “fome” por conquistas, paixão pelo cliente e a humildade e curiosidade para encarar os desafios e novas situações.
Diante dos tantos fatores que influenciam o recrutamento de C-levels em tecnologia, a busca por uma nova liderança deve ser feita com muito planejamento, profundidade e paciência para assegurar o melhor “match” possível entre o momento da empresa e o perfil profissional para ocupar uma vaga.
Buscas deste tipo têm levado mais tempo do que outras, e as organizações precisam estar preparadas e comprometidas com o processo. Essa é a maneira mais estratégica e inteligente de enfrentar a escassez de talentos dessa área no mercado.
(*) – Graduado em Engenharia Química pela Unicamp, com MBA pela Kellogg School of Management, é consultor em Digital da Egon Zehnder (www.egonzehnder.com).