Paralimpíadas prometem marcar história no Brasil
Estão em andamento os Jogos Paralímpicos Rio – 2016, cuja abertura aconteceu em 7 de setembro reunindo 4.300 atletas de 176 países em 23 modalidades cujas competições se estendem até o dia 18 deste mês
A importância do evento está no fato dele deixar um legado histórico de conscientização mostrando ao país, pela primeira vez, que é possível competir e ser feliz mesmo com sequelas adquiridas após um acidente, doença ou ato de violência. O esporte sairá enaltecido como forma direta e indireta de integração do indivíduo portador de deficiência com a sociedade, seja ele um deficiente físico, visual, auditivo ou cerebral.
Histórias vitoriosas de superação, por sinal, começaram a ser contadas antes ainda da abertura do evento, assim que a chama paralímpica foi acesa simbolizando o poder de transformação pela força de vontade, capaz de modificar para melhor a realidade de muitas pessoas graças ao esporte. Isto ficou claro em São Paulo, no último domingo dia 4, quando a tocha paralímpica chegou nas primeiras horas da manhã e percorreu em revezamento várias ruas da capital paulista entregue mão a mão pelos condutores a cada 200 metros.
Mizael de Oliveira, ex-atleta de futebol, foi o mensageiro do valor paralímpico da transformação. Considerado, o melhor jogador do mundo na modalidade em 1998, é atualmente, vice-presidente e secretário geral do Comitê Paralímpico Brasileiro. “A chama em São de Paulo representou o Sudeste do Brasil e a cidade mais pulsante do país é também a que mais ajuda no processo de mudança e evolução das pessoas tanto no aspecto coletivo como individual em nosso país”.
Tal opinião é dividia com o construtor de bicicletas adaptadas a paraplégicos, Sérgio Ribeiro. Vítima da poliomielite, Sérgio declarou que se sentiu honrado em conduzir a tocha emblemática pela cidade que dispõe dos melhores mecanismos de reabilitação e reintegração social. “Por esse motivo, a capital paulista não poderia ficar de fora de um acontecimento de tamanha importância”, destacou. Ana Maria Crespo, escritora e militante em movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência, disse ter ficado feliz ao saber que o valor escolhido para São Paulo tenha sido o da transformação. “Acredito que o esporte realmente pode mudar para melhor a vida das pessoas tenham elas uma deficiência ou não”.
Em 1948, enquanto se realizava a primeira olimpíada após a Segunda Grande Guerra, uma outra competição bem mais modesta acontecia no jardim de um hospital de Londres, onde veteranos do conflito com ferimentos na coluna se reuniram para disputar um torneio de arco e flecha que trouxe resultados positivos na autoestima dos envolvidos. Foi dado ali o primeiro passo daquilo que viria a ser a primeira Paralimpíada, realizada em Roma – 1960, reunindo 400 atletas de 23 países. Outro fato importante aconteceu nas Paralimpíadas de Seul – 1988 onde, pela primeira vez a disputa aconteceu na mesma estrutura montada para as Olimpíadas, inaugurando um modelo que se repete com sucesso desde então.
Das 23 modalidades esportivas disputadas no Rio este ano, algumas são bem conhecidas como o futebol, embora com algumas regras modificadas dependendo do tipo de atleta. Há também a natação, o basquete em cadeira de rodas e o vôlei sentado, além do judô. Mas há outras modalidades que não estão na olimpíada tradicional como a Bocha e o Goalboll. Este ano dois novos esportes foram incorporados, a canoagem e o triatlo. Motivos para torcer para o Brasil não faltam. Nosso país em todos esses anos já ganhou 235 medalhas paralímpicas: 74 de ouro, 86 de prata e 75 de bronze tendo ficado na quinta colocação do quadro geral de Londres, em 2012.
O revezamento da tocha em São Paulo, que antecedeu a abertura dos jogos, passou pela região da Avenida Paulista, entre a Praça do Ciclista e a estação Ana Rosa do Metrô, seguindo depois na direção do Parque do Ibirapuera, dando a volta pela Avenida República do Líbano. O público presente nas ruas prestigiou o evento com fotos, selfs, aplausos e sorrisos. O judoca Rafael Baby Silva, medalha de bronze em 2012 e mais recentemente na Olimpíada do Rio – 2016, homenageou o esporte paralímpico, desfilando com a tocha, assim como o publicitário José Martins, diretor de criação com passagens por grandes agências brasileiras. Ele defendeu o esporte como ferramenta de superação pessoal e reforço da autoestima nas pessoas com deficiência, “já que a competição nos leva a fazer coisas que os outros não acreditam que nós deficientes somos capazes de fazer”.
Também o jornalista que escreve a reportagem que você está lendo, teve a honrosa chance de seguir carregando a chama representativa das Paralimpíadas 2016 e se preparou para o evento. “Uso órteses ortopédicas para caminhar, mas temi não suportar a emoção e acabar caindo durante o trajeto. Preferi seguir em uma cadeira de rodas, conduzido pelo meu sobrinho – afilhado, Gustavo Magalhães Alves, de 13 anos. Fui repórter aéreo em sobrevoos diários pela cidade de São Paulo durante 20 anos e a sensação de liberdade que eu sentia quando voava deve ser parecida com a emoção que invade os atletas paralímpicos num momento de superação”.
Famílias inteiras foram ao Ibirapuera para conferir a passagem da tocha. A bailarina Karen Ribeiro, uma das condutoras após indicação de uma aluna de sua escola de balé voltada para mulheres com mais idade, considera que a dança também evoca o sentimento de realização. “Por exemplo, tenho uma perna seis centímetros mais curta que a outra, mas isso nunca me impediu de alcançar meus objetivos”, disse a bailarina, que conduziu a tocha de sapatilhas, fazendo passos de balé. Mario Sérgio Fontes, introdutor do Goalball no Brasil e atleta de provas de atletismo nos jogos de Los Angeles – 1984 e Seul – 1988, foi o último condutor do dia. “É o momento mais importante destes 35 anos de vida dedicados ao esporte paralímpico”, emocionou-se.
O colunista especializado em língua portuguesa do jornal “Empresas & Negócios”, professor J.B. Oliveira, também comentou as Paralimpíadas 2016. Satisfazendo nossa curiosidade explicou a mudança gráfica, visto que antes, a palavra empregada era Paraolimpíada. “Em novembro de 2012, durante o lançamento das logomarcas para esta nova edição, designou-se a alteração a pedido do Comitê Paralímpico Internacional, sob a alegação que a origem da palavra está no modelo de língua inglesa que utiliza ‘paralympics’, à junção do vocábulo ‘paraplegic’ com ‘olympic’, para designar o atleta paralímpico. A alteração foi solicitada e aceita por todos os países lusófonos. Com isso, a palavra correta para designar o evento esportivo passou a ser Paralimpíadas”, finalizou o mestre desejando felicidades e saúde a todos os atletas e simpatizantes do esporte.
De nossa parte acreditamos que essa Paralimpíada poderá nos ajudar a encontrar uma palavra politicamente correta para designar o portador de deficiência no Brasil. No Canadá, por exemplo, utiliza-se o termo “new challenge”, para definir a pessoa que encontra um “novo desafio” pela frente. Quem sabe também nós possamos, a partir deste evento, criar uma frase brasileira para definir os que buscam a superação mesmo sem subir no pódio?
(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).