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O coronel senador

em Colunistas, Heródoto Barbeiro
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

O coronel senador

Ele era temido no senado. Podia qualquer coisa diziam os colegas nos corredores do prédio.

Tinha todos nas mãos, principalmente o presidente da república de plantão. Controlava as principais comissões e todos o temiam. Seus detratores, escondidos, é claro, faziam piada e diziam que os presidentes gostavam tanto dele que até governava sem ser mesmo o poder executivo. A república estava nas mãos desse oligarca, que tinha os pés fincados no poder executivo.

Homens como ele eram chamados carinhosamente de “coronel”, um título tão antigo quanto a fraqueza do poder central. Isso permitia a formação de lideranças locais focadas nos mais aptos e poderosos. O posto de coronel era comumente herdado nas cidades mais antigas mediante a influência natural das famílias tradicionais, donas de terras e de gado e passava de geração para geração.

O pai sempre preparava o filho para ser o seu herdeiro político. Local e socialmente exercia uma série de funções que o faziam temido e obedecido o que ele devia aos seus dotes pessoais e não ideológicos. Brilhava na capital da república com uma miríade de assessores de toda ordem. Não abria nem a porta do carro que o transportava para o Senado.

O senador unia o título de chefe do seu clã estadual, não só da família que mas de toda uma turma que o seguia em função do prestígio na república, força política e dinheiro obtido não se sabe onde. Estava sempre à espreita à espera de uma oportunidade de se candidatar à presidência da república. Por isso manobrava o seu partido como se fosse uma horda de imbecís e corruptos, sempre de boca aberta esperando uma fatia de poder ou de riqueza.

Tentou, mais de uma vez, ser o delfim do partido e tentar a presidência, mas as oligarquias do sudeste, especialmente São Paulo e Minas Gerais, estavam atentas e punham os obstáculos possíveis. Talvez melhor mesmo seria continuar manipulando a política desde o senado, ora na tribuna, ora na penumbra. De lá poderia manipular as marionetes políticas do Congresso Nacional e influir decisivamente no destino dos estado e do próprio país.

Seu escritório, garbosamente chamado de gabinete, recebia uma fila diária de passantes. Uns pedindo para parar uma investigação, outros para que ajudasse a aprovar uma lei que os favorecia, outros ainda pequenas sinecuras como um emprego público para se encostar em algum escaninho da imensa máquina de funcionários federais.

Na última eleição milhares de pessoas pediam a sua cabeça. Até manifestação pública na porta de sua residência aconteceu. Algo inédito na história da república. O povo não o queria mais no poder. Estava exposto à mídia e esta insistia em atribuir a ele os mal feitos que impediam o país de avançar, a corrupção de ser combatida e os privilégios diminuídos. Quase foi linchado por uma multidão que o esperava na porta do senado.

Foi nesta ocasião que Pinheiro Machado disse uma de suas mais célebres frases, ao ordenar ao cocheiro que o apanhara na porta do Palácio do Conde dos Arcos e que lhe perguntara como deveriam sair dali: “Nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça medo!”.

Senador pelo estado do Rio Grande do Sul conseguiu montar um sistema que lhe permitia intervir tanto nas decisões dos presidentes da república velha como do legislativo. Tinha uma legião de amigos e de inimigos. Não escondia que um dia poderia ser morto por causa de sua ação no Rio de Janeiro, então capital da república dos Estados Unidos do Brasil.

Meses antes, Pinheiro Machado previra sua própria morte em entrevista ao jornalista João do Rio: “Morro na luta. Matam-me pelas costas, são uns ‘pernas finas’. Pena que não seja no Senado, como César.” Foi assassinado no hall do Hotel dos Estrangeiros por Manso de Paiva, que o apunhalou pelas costas.

(*) – É editor-chefe e âncora do Jornal da Record News em multiplataforma.