Armado no Plenário

em Heródoto Barbeiro
quinta-feira, 03 de outubro de 2019

Ele entra armado no prédio. Não há revistas, nem seguranças especiais. Tem porte de arma legal como todo os que exercem a mesma função.

Por isso estar armado na ante sala e no plenário era uma forma de auto defesa, uma vez que o público em geral também tem direito ao acesso às galerias, já que as reuniões são públicas. Nem sempre o auditório fica cheio de populares, afinal muitos debates são enfadonhos, as sessões se encerram abruptamente, os temas de maior interesse geral são adiados para sessões nas semanas seguintes, e isso incentiva o desinteresse pelo trabalho do plenário.

Ainda por cima o povo tem que trabalhar. Não raramente os lugares no auditório são ocupados por funcionários dos gabinetes a pedido dos próprios titulares, uma vez que não é bom que uma imagem da sessão espalhada pelo país pela imprensa mostre tudo vazio exatamente no momento do discurso de um deles. Outras vezes são advogados que acompanham a decisão de um tema que lhes interessa e pode abrir portas para novos e ricos clientes.

Ele tinha a intenção de atirar na cara do desafeto. Ser morto com um tiro no rosto é humilhante. O caixão tem que ficar lacrado e ninguém, nem familiares, amigos ou admiradores podem se despedir de forma mais carinhosa do morto. Além disso, o espaço a ser ocupado na mídia é muito maior, os jornalistas gostam de explorar detalhes que beiram ao sensacionalismo.

Afinal o assassinato de um prócer da república não é qualquer morte. Não é uma bala perdida que mata uma garotinha em uma favela. É um acontecimento que tem desdobramento nos poderes da república e um enterro desses para o país, é seguido de cortejo até o aeroporto onde o morto é colocado em um avião oficial e enviado para o seu estado natal.

Os espaços na mídia se multiplicam e a população, mesmo sem ter conhecimento profundo dos fatos, expressa sua opinião apoiando o assassino de um lado e o assassinado do outro. Ele merece dizem alguns. O assassino tem que ser condenado à prisão perpétua, dizem outros. O fato é que o episódio não passa despercebido por motivos políticos e eleitorais. O homem que tinha a arma é um grande distribuidor de benesses do Estado, e ele conhece bem as suas entranhas.

Alguns juram que naquele lugar nunca houve violência física. Pode até ter tido violência política, árduos debates, xingamentos entre seus membros, mas cientes que mais cedo ou mais tarde alguém vai pesquisar os anais e fazer história, todos os termos, ditos anti-regimentais são apagados das transcrições. Ninguém vai legar para a história e sua biografia os xingamentos que faz.

Ele pôs um revolver no bolso para mata-lo durante um discurso que fazia no plenário. Só se ouviu um grito de “crápula”. Os dois homens rolaram no chão, várias pessoas tentaram separar os desafetos. Ouviram-se dois tiros. Um homem fora atingido no abdome e levado para o hospital em Brasília. Ele morreu de hemorragia.

Tinha 39 anos e era senador suplente pela bancada acreana. O autor do disparo era o senador Arnon de Mello e a bala endereçada para o senador Silvestre Péricles. O senado deu autorização para que ambos fossem processados na forma da lei. Os dois foram considerados absolvidos.

José Keirala deixou três filhos pequenos e a esposa.

(*) – É editor-chefe e âncora do Jornal da Record News em multiplataforma (www.herodoto.com.br).