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Estragos

em Colunistas, Mario Enzio
sexta-feira, 24 de março de 2017

Estragos

Depois que a coisa está feita, quem pode reclamar? O que não se sabe, em geral, é quem irá se responsabilizar pelo ato.

Na hora de gozar dos prazeres, há quem se locuplete, se derrama nas delícias que o suborno ou ilícitos podem oferecer. Quem mede as consequências? Nem sempre, o malandro quando é pego se redime na frente da autoridade policial. Fala mansinho, se arrepende, entrega todo mundo e conta como funcionava o processo de desvio da carga. O flagrante revela como a moça bonitinha se passava por ingênua para desviar o motorista de caminhão de seu caminho.

Ela se oferece como necessitada, pede para parar num ponto combinado. O resto uma quadrilha se encarrega de executar: levar o caminhão para o mato, deixar o incauto que queria apenas uma horinha de prazer preso ao pé de uma árvore até que anoiteça. Solto, não nega que queria pular a cerca, pulou foi da boléia. Perdeu a carga e quase o emprego. Aprendeu com o erro? Só até a próxima oportunidade lhe aparecer à frente para saber. Isso é assim, parte do enredo de algumas páginas policiais.

E, lá perto, quase nas mesmas páginas, encontram-se outros casos, até semelhantes. De alguém que engana o outro ou finge que engana, até ser descoberto. Até quando? Ao registrar e notar pela história natural dos humanos, por muitos e muitos anos. Penso que o que se pode é mitigar. Isso mesmo: aliviar, abrandar, suavizar a maneira como esses desvios de conduta hoje enraizados, pelo medo de ser descoberto e pela punição a esses crimes.

Tem que valer essas duas formas para se tentar compensar os estragos que são feitos por quem ainda acredita que ser desonesto possa valer à pena.
Basta medir, calcular, alguns desses desvios: o dinheiro que foi recuperado no Rio de Janeiro, ajudou a pagar os atrasados de aposentados. Isso é vergonhoso. Pensar que o que era direito de alguém passou a ser a alegria e a orgia de quem estava lá para cuidar dessa garantia.

Nessa esteira de escândalos, na expectativa do raiar do dia, que acordo todas as manhãs já querendo saber quem foi levado a depor ou qual é o político da vez, concluo que carne é mesmo fraca.

Volto ao caso do rouba de cargas, de como uma saia bem acima dos joelhos ou um rostinho sorridente é capaz de levar um profissional cansado e estressado a sair do seu caminho e colocar em risco sua vida ou patrimônio. Agir com a emoção pelo que poderá trazer uma vantagem ou um benefício momentâneo. Mas, que gozo mental se tem ao receber propina, na forma de uma picanha ou um bife de chorizo?

Diferem as dimensões de prazer e delito. Um é prazer do corpo outro é prazer do poder. De dominar ou controlar seus pares à sua volta. Ou como a pessoa que quer saber se você está bem, mas não melhor do que ela.

(*) – Escritor, Mestre em Direitos Humanos e Doutorando em Direito e Ciências Sociais (www.marioenzio.com.br). Email: ([email protected]).