O avanço do ChatGPT continua a trazer mudanças de paradigmas éticos em diferentes empresas. Afinal, os valores éticos mudam de cultura para cultura. Basta uma viagem para países distantes ou o convívio com estrangeiros para percebermos o quão abstrato é o conceito de certo e errado. O que é aceitável para um povo pode ser condenável para outro. A mesma dinâmica acontece com o passar dos anos. Algo visto de determinada maneira há décadas pode ser encarado de forma totalmente distinta atualmente.
Lembro que na escola e no vestibular não podia fazer contas com calculadora. Era erradíssimo fazer as operações básicas usando a maquininha. A competência exigida para o estudante era o cálculo mental. Já na faculdade, a calculadora não era apenas permitida como incentivada pelos professores. No ensino superior, a habilidade do aluno estava no manuseio do aparelho que fazia as contas. Tempos depois, os softwares já faziam as contas automaticamente. Muitas vezes, a calculadora ficava escanteada na mesa por semanas, meses. O bom profissional era aquele que sabia operar os programas computacionais.
Usei esse exemplo aparentemente banal porque li uma pesquisa muito interessante apresentada em agosto de 2023 pela Scientifc Reports. Ela foi realizada com 300 professores e estudantes de cinco países (Brasil, Estados Unidos, Índia, Inglaterra e Japão) e tratou de como eles veem o uso do ChatGPT a partir do ponto de vista ético. E, para minha surpresa, a comunidade escolar contemporânea enxerga com naturalidade a utilização da Inteligência Artificial (AI) nos trabalhos escolares.
Ou seja, já é esperado para os próximos semestres que os alunos recorram aos chatbots online no dia a dia. Não será apenas permitido o seu uso como, em alguns casos, será incentivado. Na visão dos educadores, os estudantes atuais precisam ter como habilidade nata o domínio das ferramentas de IA. Para as novas gerações, essa competência é mais importante do que a produção do conteúdo de maneira tradicional. É esperado que se terceirize tarefas simples para o ChatGPT. De acordo com a pesquisa, 94% dos estudantes brasileiros quer usar os robôs em seus trabalhos o quanto antes.
Essa mudança de visão e postura em relação ao uso da IA pode provocar um grande choque cultural nas empresas daqui a alguns anos, quando esses alunos entrarem no mercado de trabalho. Imagine que um profissional experiente solicite um relatório para o estagiário. Aí a pessoa utiliza o ChatGPT para realizar a tarefa. É ético ou não é ético isso? A resposta pode mudar de acordo com a geração. Há quem possa encarar a utilização dos chatbots online como uma prática normal e positiva. Outros podem vê-la como errada e antiética.
Ciente de dificuldades nesse sentido, as organizações devem se adiantar e criar desde já políticas de trabalho que tratem do uso da Inteligência Artificial por suas equipes. O que é certo e o que é errado a partir de agora? O que a ética corporativa diz sobre a utilização dos chatbots nas tarefas cotidianas?! Se sua empresa ainda não refletiu sobre esse assunto, talvez ela precise fazê-la mais cedo do que imaginamos. Porque a velocidade das mudanças e o aperfeiçoamento da tecnologia não esperarão que os alunos atuais virem os estagiários do amanhã. Muito provavelmente, os profissionais mais antenados já vão recorrer ao ChatGPT em pouco tempo. Isso é, se já não estiverem usando.
Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.