Na quinzena passada, publiquei a Coluna Uma história sobre governança na empresa familiar. Confesso que a repercussão do caso de um jovem executivo que se negava a dividir o poder com o Conselho de Administração me surpreendeu positivamente. Nas últimas duas semanas, recebi mensagens nas redes sociais, e a sensação que tive é que todos queriam comentar a situação relatada e dar novos exemplos de quando a vaidade, a ambição e o ego dominam as ações da alta administração dos negócios.
Hoje, quero estender o debate. Se anteriormente abordei a incompatibilidade do presidente em ter poderes ilimitados no universo corporativo, quero agora apontar as contradições éticas de algumas posições-chave nas instituições federais. O que fazer quando as autoridades públicas adquirem poderes excessivos, acima do que seria permitido, e sem qualquer tipo de controle institucional?!
Vejamos o que se passou em 2023 no Brasil nos três poderes da República. Os representantes do Legislativo criaram leis em benefício próprio e cancelaram multas que seus partidos tinham que pagar (por terem desrespeitado as regras que deputados e senadores aprovaram lá atrás). Além disso, estão sempre em estudo reformas ou minirreformas eleitorais para as eleições seguintes. Nelas, os próprios políticos debatem as alterações das normas de votação que eles vão participar (e usufruir) mais tarde. Não é preciso ser um grande entendido em ética para perceber que ninguém pode legislar em causa própria ou ser parte beneficiada dos próprios acordos. Por essa perspectiva, não parece fazer sentido os integrantes do Legislativo atuarem sobre os aspectos legais do seu ofício.
O problema é que esse tipo de contradição ética se espalhou para outros poderes da República. E o que falar do Executivo federal, que cria suas regras fiscais já sabendo que irá desrespeitá-las? Até mesmo o Presidente da República parece despreocupado em seguir as metas que seu time de especialistas traçou. O que irá acontecer se os objetivos não foram cumpridos. Nada. Haverá, inclusive, figuras proeminentes do poder Executivo que vão comemorar o descumprimento dos planos governamentais.
Diante de um contexto tão kafkaniano, me parece um pouco exagerada a repercussão de um jovem executivo de empresa privada que deseja ter poderes ilimitados dentro dos muros do seu negócio. Há muitos outros segmentos da sociedade que precisam urgentemente de respeito à Governança.
Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.