No último 7 de setembro o país lembrou os 196 anos da Independência do Brasil, ainda lamentando a tragédia que destruiu parte da história brasileira, até então preservada no Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro
Reprodução do quadro de Georgina de Albuquerque, no livro Viagem Pitoresca – Ao Velho e ao Novo Rio, de Herculano Mathias e Alexandre Wulfes, 1965 – Acervo da FBN |
O incêndio destruiu, entre outras preciosidades, os originais da assinatura da independência, decretada em 2 de setembro de 1822, por D. Maria Leopoldina, então princesa regente do Brasil, nas dependências deste mesmo prédio atingido pelo fogo na noite de um domingo, mesma data da assinatura histórica.
Leopoldina usou seus atributos de chefe interina do governo após uma reunião com o Conselho de Estado, resultando na assinatura do documento. A maioria dos brasileiros contava com o retorno de D. Pedro a Portugal, rebaixando o status do país da condição de reino unido à antiga situação de colônia. Havia temores que uma guerra civil separasse a Província de São Paulo do restante do Brasil e o príncipe regente decidira seguir para a capital dos paulistas na tentativa de acalmar os ânimos.
Neste cenário conturbado D. Pedro entregou o poder a D. Leopoldina no dia 13 de agosto de 1822, nomeando-a chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente Interina do Brasil. Por conta das notícias vindas de Portugal, determinando o retorno imediato do príncipe, Dona Leopoldina não teve tempo de esperar pelo marido e precisou tomar a decisão da qual participou o conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva.
Após a assinatura ela enviou carta a D. Pedro solicitando que ele proclamasse a Independência do Brasil, para fazer valer publicamente o decreto já assinado. As recomendações chegaram nas margens do Rio Ipiranga, em São Paulo, quando a comitiva foi alcançada pelo mensageiro Paulo Bregaro, por volta das 15 horas do dia 7 de setembro de 1822, um sábado. Ali mesmo D. Pedro anunciou aos presentes o rompimento dos laços do Brasil com Portugal, proferindo aos presentes o célebre grito que entraria para a história, “Independência ou Morte!”
D. Maria Leopoldina, uma austríaca da família dos Habsburgo, mecenas de vários artistas e amante das artes, estudou botânica, zoologia e arqueologia, tendo aceito de bom grado a proposta de casamento pelo fato de no Brasil, poder desenvolver melhor os seus estudos. Este ainda era um território desconhecido para o mundo e, na linguagem de hoje, rico em biodiversidade.
Coroada imperatriz do Brasil, a 1° de dezembro de 1822, na cerimônia de sagração a D. Pedro I, respeitada e querida pelo povo brasileiro na sua época, Leopoldina dá nome hoje a cidades, bairros, ruas, avenidas, ferrovias, estações e até escolas de samba. Uma coleção particular da imperatriz, atendendo a um pedido pessoal dela, para se ilustrar e fazer circular um conhecimento melhor sobre o Brasil, foi doada ao Museu Nacional pouco antes de seu falecimento. Parte das peças desse acervo puderam ser salvas, mas o documento oficial da independência, infelizmente, desapareceu consumido pelas chamas.
O que o Museu Nacional perdeu
A instituição ainda faz um levantamento da extensão dos danos pelo ponto de vista acadêmico e científico. Havia coleções focadas em paleontologia, antropologia e etnologia biológica, entre outras. No local, eram guardados itens importantes como o meteorito do Bendegó, o maior já encontrado no país, e uma coleção de múmias egípcias – inclusive o crânio de Luzia, a mulher mais antiga achada no Brasil. Se perderam coleções de vasos gregos e etruscos, e o primeiro dinossauro de grande porte já montado no Brasil.
Compilando notícias recentes de diversos jornais impressos, extraímos informações importantes como a da vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, informando que as coleções de invertebrados, que estavam em um anexo, foram preservadas, assim como a coleção de tipos de malacologia, área que estuda os moluscos. “Tivemos que arrombar uma porta e conseguiu tirar algumas coisas lá de dentro”, explicou.
“De todo modo é um prejuízo incalculável para a ciência e para a história do Brasil. A história brasileira está sendo queimada”, lamentou o professor de geologia João Wagner Alencar Castro, funcionário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mantenedora do museu.
Em maio último, 10 das 30 salas de exposição foram fechadas, incluindo algumas das mais populares, como a que guardava um esqueleto de baleia jubarte e a do Maxakalisaurus topai – o dinoprata, primeiro dinossauro de grande porte já montado no Brasil. Para reabrir a sala, interditada havia cinco meses após um ataque de cupins, o museu armou uma campanha de financiamento coletivo na internet e arrecadou R$ 58 mil, mais do que a meta de R$ 30 mil.
A decadência do prédio já era visível para os visitantes, que pagavam oito reais pelo ingresso. No bicentenário da instituição, em 6 de junho de 2018, foi celebrado com o BNDES um contrato de R$ 21,7 milhões para se investir em restauração, em curso estava uma outra negociação para reabertura das cinco das principais salas fossem reabertas até 2019.
Em maio, disseram os jornais, Alexandre Kellner, diretor do museu, afirmou serem necessários R$ 300 milhões, ao longo de pelo menos uma década, para executar o Plano Diretor do museu. “A princesa Isabel brincava aqui, no jardim das princesas, que não está aberto ao público porque não há para isso condições”, afirmou.
Exposições
As exposições do Museu Nacional eram organizadas em seções: Evolução da Vida (a história da Terra e dos primeiros seres que a povoaram), Nos Passos da Humanidade (a evolução do Homem), Culturas Mediterrâneas (arte e artefatos greco-romanos), Egito Antigo, Arqueologia Pré-colombiana (arte e artefatos dos povos que habitavam as Américas), Arqueologia Brasileira (onde se destaca Luzias), Etnologia Indígena Brasileira (a diversidade, a arte e o engenho dos índios brasileiros) e Culturas do Pacífico, além das diversas seções dedicadas à Zoologia.
Luzia
Um dos mais importantes itens era um fóssil humano, achado em Lagoa Santa, em Minas Gerais, em 1974. Batizado de Luzia, fazia parte da coleção de antropologia. Trata-se do fóssil de uma mulher que morreu entre 20 e 25 anos e seria a habitante mais atinga do Brasil.
Bendegó
Outra preciosidade era o maior meteorito já encontrado no País, chamado de Bendegó e pesa 5,36 toneladas. A pedra é de uma região do sistema solar entre os planetas Marte e Júpiter e tem mais de 4 bilhões de anos. O meteorito foi achado em 1784, no sertão da Bahia, na localidade de Monte Santo. Quando foi encontrado era o segundo maior do mundo. A pedra integra a coleção do Museu Nacional desde 1888.
Múmias egípcias
Dom Pedro I arrematou em 1826 a maior coleção de múmias egípcias da América Latina. Eram múmias de adultos, crianças e de animais como gatos e crocodilos que estavam em um navio com destino a Buenos Aires. Ao ver as peças trazidas de um colecionador europeu para serem vendidas na Argentina, Dom Pedro fez uma oferta maior e ficou com elas, a maioria da região de Tebas, localizada a 800 km do delta do Nilo a sul de Alexandria, no Egito.