A Fábrica de Notícias
A reportagem provocou um reboliço. Um repórter de uma pequena emissora de tevê descobriu que as barragens estavam sem fiscalização há 35 anos. Havia perigo imediato de uma catástrofe imensa
Ele fez essa reportagem sem sair da redação. Graças às novas tecnologias digitais ele teve acesso aos relatórios e montou uma história que impactou a opinião pública norte americana. Desde o início do século 19 a reportagem passou a ser o centro do jornalismo americano, o que não se esperava era que o repórter não saísse para a rua contrapondo um velho jargão que diz “lugar de repórter é na rua”.
O resultado mostrou que ou na rua ou na redação um jornalista responsável não produz notícias falsas, não acredita na primeira que coisa que vê ou lê nas mídias sociais. Avalia corretamente o conteúdo e elimina os interesses comerciais do veículo, a contaminação política ou ideológica ou o ativismo de qualquer espécie. Não se dobra a nada que não seja a apuração correta e honesta, mesmo que contrarie as preferências do público. Essa postura não dá espaço para o que se popularizou como fake News.
No Brasil levou mais tempo para que os donos dos veículos tradicionais de comunicação deixassem de escrever colunas que eram consideradas as coisas mais importantes, como fazia o velho Assis Chateaubriand. A função do jornalista não é fabricar notícias. Ele não é um pizzaiolo que produz a encomenda de acordo com o gosto do freguês. Tem compromissos éticos e morais. Por isso as reportagens ganharam o primeiro lugar na preferência do público. Com a assinatura do jornalista que trabalhou na apuração correta. Primeiro os fatos. Isto dá aos apuradores reputação e são admirados pela dedicação e confiabilidade.
Ao seguir essas regras não há espaço para a fake News. Não há espaço para o “tudo é relativo”. Nomes, endereços, qualificativos devem estar corretos. Se houver erro, este deve ser claramente corrigido seguido de desculpas pelo engano divulgado. O que se espera do repórter é que conte o que aconteceu e não o que acha que aconteceu. Ou seja é comum que uma boa apuração vá contra suas próprias suposições. É desejável que se identifique as fontes sempre que possível. Para manter a sua credibilidade não acredita no que a fonte diz sem checar.
Se fizer isso é um otário, ou um irresponsável, como no emblemático caso da Escola Base. O que se espera é que vários pontos de vista e vários lados de uma reportagem sejam considerados. A maioria das fake new que circulam nas redes sociais não são originadas nem nos nichos de notícias, nem da ação dos jornalistas. São produzidas não se sabe por quem e divulgada à exaustão por uma legião que manipula um gadget no restaurante ou em um vagão do metro. O público não tem a mesma responsabilidade que tem o jornalista com as fake News.
Contudo os núcleos dos partidos políticos descobriram essa “ferramenta“ e a utilizam mesmo depois das últimas eleições. Há acusações de lado a lado da utilização das fake News ou para apoiar ou se contrapor ao governo. Isto não se confunde com liberdade de expressão. Mentir dolosamente e divulgar nas redes sociais nada tem a ver com a liberdade de pensamento. É pura má fé. Não se pode esquecer que os jornalistas em geral aprendem rápido e não só se vacinam contra as fake News como ajudam a desmentir o seu conteúdo. Um gesto de cidadania.
Como diz o professor Michael Schudson, “o jornalismo é o primeiro rascunho da história, e não a última palavra. Mas é o inimigo do orgulho, da pompa e ignorância, e, portanto um bom amigo do povo”.
(*) – É editor chefe e âncora do Jornal da Record News em multiplataforma.
ET. Um jornalista de uma pequena emissora de tevê nos Estados Unidos fêz uma reportagem e descobriu que as represas lá estavam há 35 anos sem fiscalização. Fêz a reportagem sem sair da redação.