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Solidariedade, uma causa ou um negócio?

em Artigos
quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Kelly Lopes (*)

Um estudo da Mobiliza e Reos Partners apontou que 73% das ONGs terá redução de recursos este ano no Brasil, desde financeiros até de produtos e serviços, em decorrência da pandemia.

No entanto, mais 80% delas mantém ações no combate do novo vírus. Mas o que falta para a iniciativa privada perceber que não se faz solidariedade ‘cobrindo um santo e descobrindo outro’? Esse paradoxo é o desafio que se abate para quem vive de se doar a uma causa.

O fato é que, diante das emergências causadas pelo vírus, muitas empresas estão descontinuando seus apoios às ONGs, com projetos estruturados, e destinado suas verbas reduzidas à compra de insumos para o combate à Covid-19 e alimentos para os mais afetados pela pandemia.

Tudo legitimamente válido e necessário. Mas como ficam os projetos amparados pelas organizações sociais? Toda a ajuda é emergencial nesse momento. A grande questão é que as ONGs são as organizadoras e centralizadoras de diversas ações que irão minimizar os efeitos da pandemia.

Sem o costumeiro apoio, em muitas organizações sociais pelo país, seus funcionários não estão conseguindo sequer ir trabalhar por falta de salários, pagos com os investimentos advindos dos patrocinadores dos projetos.

Nesses casos, os alimentos e demais arrecadações podem até perder a validade, por falta de pessoal para organizá-los e destiná-los a quem precisa da ajuda.

Além disso, uma outra questão é ainda mais latente. O novo normal pós-pandêmico vai exigir ações urgentes para geração de emprego e renda, seja pelo emprego formal, seja por empreendedorismo.

Capacitar e qualificar essa mão-de-obra será uma medida que contará, mais uma vez, com o auxílio das ONGs que conseguem realizar muito bem esse papel de fazer chegar a ajuda ao destino certo com a agilidade necessária. Essa realidade se abaterá fortemente sobre as ações para reascender a economia e trazer de volta o emprego aos brasileiros.

Os especialistas da economia afirmam que o governo precisará tomar medidas de incentivo às políticas públicas para preparar e qualificar o trabalhador. As organizações sociais serão os principais centros de apoio às empresas que precisarão recontratar, treinar e qualificar essa mão-de-obra.

Por isso, mais que nunca, as ONGs apelam para continuarem visíveis nas planilhas de apoios e patrocínios das empresas preocupadas e engajadas com a responsabilidade social. Isso porque seus negócios são suas causas e a sobrevivência desse modelo por meio dos projetos que desenvolvem facilitam a diminuição da desigualdade social, acesso à educação e emprego de qualidade. Por outro lado, continuam na dependência do apoio vital da inciativa privada.

Cada vez mais, precisamos retomar esse tema nos espaços abertos e insistir na mudança sobre o conceito de um Brasil S/A de fato solidário. Estender a mão e olhar o próximo é sim uma virtude cidadã e característica do brasileiro, mas ela precisa de foco e princípios para ser manter ativa e funcional.

De certo a pandemia colocou todos no mesmo mar revolto, mexido e brandido, mas as ONGs, em desvantagem, certamente não estão no mesmo barco para enfrentá-lo.

(*) – É empreendedora social e superintendente do Instituto da Oportunidade Social – IOS (http://www.ios.org.br).