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Pacote anticrime endureceu o Estatuto do Desarmamento

em Artigos
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Luiz Flávio Borges D’Urso (*)

Se espera que o julgador tenha bom senso e visão sistematizada, para não patrocinar decisões absolutamente injustas.

Contrariando as manifestações e iniciativas do Executivo Federal, especialmente do próprio Presidente da República, para flexibilizar o controle de armas no Brasil, facilitando sua propriedade e porte, o legislador (Legislativo Federal) endureceu o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), quando aprovou o Projeto Anticrime (Lei 13.964/19), no finalzinho do ano passado, aumentando as penas para diversos crimes alí previstos.

O primeiro exemplo disso, encontramos no Art. 16 do Estatuto, que foi alterado com a inclusão do § 2º, destacando neste parágrafo, as condutas do caput e do § 1º, que envolveram arma de fogo de uso PROIBIDO, aumentando a pena, nesta hipótese para reclusão de 4 a 12 anos. Anes desta nova Lei, as condutas do Art. 16, contemplavam armas de uso Restrito e Proibido indistintamente, com previsão, que fora revogada, de pena de 3 a 6 anos de reclusão e multa.

Assim, agora quem possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição DE USO RESTRITO, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, está sujeito a punição de 3 a 6 anos, todavia, nestes casos, a partir da nova lei, se a arma ou munição for DE USO PROIBIDO, a punição se eleva para reclusão de 4 a 12 anos.

Outro exemplo encontra-se no Art. 17 que estabelece punição para quem pratica o comércio ilegal de armas de fogo, punição que foi agravada de 4 a 8 anos de reclusão, para o patamar de 6 a 12 anos.
Dessa forma quem adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, está sujeito à severa pena de 6 a 12 anos.

Mais um exemplo desse agravamento de pena encontra-se no Art. 18, que pune o tráfico internacional de arma de fogo, consistindo na conduta de importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente, e pela nova lei, a pena de reclusão que era de 4 a 8 anos, passou para 8 a 16 anos e multa.

E para concluir este festival de aumento de penas, verifica-se no Art. 20, que as penas previstas nos Arts. 14, 15, 16, 17 e 18, serão aumentadas da metade, se o agente, autor da conduta, for integrante de órgãos e empresas indicadas nos arts. 6º, 7º e 8º da lei ou, se o agente for reincidente específico, vale dizer, já condenado anteriormente por violação desta lei.

Concluindo, na contra mão do que prega o governo federal, o Pacote Anticrime endureceu sobremaneira a punição dos crimes acima destacados, incluindo o Art. 16 no rol de crimes hediondos, ocasionando, a nosso ver, um descompasso no sistema repressivo brasileiro, isto porque, num país onde o homicídio simples tem previsão de punição iniciando no patamar de 6 anos de reclusão, não se pode admitir que aquele que importa ilegalmente uma arma, mesmo que ativador ou colecionador regulamentado, estará sujeito à punição que se inicia no patamar de 8 anos de reclusão.

Por derradeiro, adverte-se que estas penas mais graves só poderão sujeitar aquele que cometeu o crime após a promulgação da nova lei, pois a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o acusado. Assim, as condutas praticadas antes da nova lei, permanecem sujeitas à lei anterior com suas antigas penas.

Na prática, caberá ao judiciário aplicar a lei ao caso concreto, todavia, se espera que o julgador tenha bom senso e visão sistematizada, para não patrocinar decisões absolutamente injustas.

(*) – Advogado Criminalista, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, Presidente da OAB-SP por três gestões (2004/2006 – 2007/2009 – 2010/2012), Presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), foi Conselheiro Federal da OAB.