Victor Missiato (*)
Desde as primeiras relações sociais, a educação compôs a função específica de organização social e formação de identidades, da família ao Estado.
Educar, para além da sobrevivência, sempre possuiu um sentido de lidar com o mundo enquanto desafio natural e social. Etimologicamente, a palavra educação vem do latim educatio, partindo de ramificações linguísticas associadas a orientar, liderar, revelar e expor, sempre voltada ao exterior da vida do indivíduo. Os espaços de transmissão da educação também sempre foram múltiplos.
Na Modernidade, a educação passou a ser vista através de ângulos mais específicos. No livro “A Educação da Sociedade Imperial: moral, religião e forma social na Modernidade Oitocentista” (Editora Appris, 2019), o historiador Felipe Ziotti Narita atenta ao fato de que no século XVIII, a criança já merecia atenções cada vez mais específicas. No século XIX, a educação passa a compor uma missão civilizatória em sua dupla função: instrução e educação.
Por civilização, Narita a contextualiza enquanto “transformação social orientada no sentido de uma autoconformação em relação a valores (interiorização de condutas, polidez, moral etc.)”. Em relação ao Brasil Imperial, civilizar a sociedade significava educá-la através da moral e da religião, formando um homem na construção de uma idealizada nação.
No século XX, a partir da instauração da República constituída por meio de duas grandes correntes de pensamento (liberalismo e positivismo), a educação no Brasil passou por transformações estruturais. Embora o aspecto moral e civilizacional permanecesse presente em seu imaginário, tal esfera social da vida acompanhou o processo de profissionalização e escolarização. Pela primeira vez no país, passou-se a pensar na universalização do ensino, na inserção total das mulheres em sala de aula, bem como na formação e profissionalização do professor.
Ademais, a educação passou a ganhar um caráter cívico, enquanto formação do cidadão e não mais do homem. Ao final do período, passando por regimes ditatoriais, implementando cartilhas internacionais e criando uma educação universal brasileira, diversas foram as conquistas, mas em maior número foram os entraves que ainda insistem em permanecer, impedindo a educação brasileira de se colocar em uma posição privilegiada no cenário internacional. Praticamente universalizada, o grande desafio da educação nos dias atuais é estar qualificada para lidar com a contemporaneidade.
Assim como no plano econômico e na participação do comércio internacional, o Brasil perdeu muito espaço na disputa pelo controle do conhecimento no século XXI. Várias podem ser a explicações, passando por uma estrutura de ensino ainda muito defasada, até a qualidade das aulas no dia-dia, mas urge estabelecer alguns parâmetros que já estão presentes em documentos, mas não são estabelecidos enquanto políticas públicas e representação social.
Primeiramente, a maior dificuldade da educação no Brasil é ser estruturada através de hiatos entre os diferentes ensinos. Existe uma distância quilométrica entre a educação básica e a educação superior no país. O diálogo entre essas esferas é praticamente nulo e os muros invisíveis desse debate impedem que haja uma dimensão formadora como um todo. Outro ponto sensível é a depreciação do ensino técnico enquanto baliza fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade consonante com o empreendedorismo e conectada ao que há de mais moderno no espaço das criações tecnológicas.
O ensino no Brasil ainda é demasiado bacharelesco. A desigualdade também é outro ponto a se destacar negativamente. A paisagem urbanística brasileira reflete este descompasso, quando escolas de diferentes níveis ficam localizadas a poucos quilômetros, separando bairros desenvolvidos e comunidades sem saneamento básico ao lado. O reflexo disso na educação é notório.
Em 2017, o Brasil iniciou mais uma tentativa sistemática e programática de resolver esses problemas estruturais. A partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pretende-se inserir o Brasil no campo dos desafios em sociedade no século XXI. Muito questionada por diversos profissionais da educação, a BNCC possui condições para reverter esse quadro em conjunto com transformações culturais no sistema de ensino, desde que Estado, escola e família criem um espaço de intenso intercâmbio.
O compromisso proposto no documento é com a educação integral, conceito este voltado “à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva”. A projeção é que, diante de tamanha reforma no ensino, o Brasil possa produzir mais patentes e criar novos produtos de alto valor agregado, diminuindo a dependência dos grãos em nossa economia.
(*) – Doutor em História, professor de História do Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré, é membro do Grupo de Estudos Intelectuais e Política nas Américas
(Unesp/Franca).