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A revolução da mulher continua

em Artigos
terça-feira, 29 de maio de 2018

Marcos da Costa (*)

Mudanças estruturais na sociedade não ocorrem de forma abrupta e repentina

Ao contrário, resultam de uma sucessão de eventos entrelaçados durante longos períodos, num processo lento e paciente. Parte disso se evidencia ao ser analisada a situação das mulheres no Brasil. Um século atrás, viviam em condições inimagináveis para a geração atual: não tinham acesso ao estudo, ao trabalho, ao voto, enfim, à cidadania.

À medida que as conquistas vieram, a mulher abriu novos horizontes de conhecimento e de percepção da realidade. Criou consciência acerca do mundo em que vivia e do papel que nele representava. Passou a questionar intimamente os padrões que regulavam as relações a que estava submetida – doutoras, pesquisadoras, cientistas, escritoras, artistas passaram a se multiplicar ano após ano simbolizando a evolução da condição feminina.

Americanas e europeias ganharam o direto de votar no fim do século 19. Por aqui, a possibilidade de votar e ser votada foi conquistada após a Revolução de 1930. Em 1933, São Paulo elegia a primeira deputada federal, Carlota Pereira de Queiroz. Desde então, sucederam-se vitórias eleitorais femininas em todo o País para cargos cada vez mais importantes.

Ainda assim, o espaço destinado à mulher na política contém largas brechas a serem fechadas. Partidos geralmente não têm políticas para participação feminina no processo eleitoral, sem estímulo sequer para preencher a cota de 30 por cento de candidaturas reservados às mulheres no Legislativo – e normalmente deixam de cumprir essa obrigação formal.

Se questões como estudar, votar, trabalhar resolveram-se progressivamente com o passar dos anos, muito mais tarde buscou-se uma solução para um antigo problema, cuja existência constitui ainda hoje um desafio às autoridades policiais e judiciais: a vergonhosa e intolerável violência doméstica contra a mulher. O Brasil é o quinto país mais violento para mulheres em um ranking de 83 nações que usa dados da OMS (Organização Mundial de Saúde). O país aprovou, então, a Lei Maria da Penha, que combate a violência praticada contra a mulher.

A realidade ainda vista nos obriga a expandir a campanha pela necessidade de afirmação da mulher na sociedade brasileira, a fim de que a condição feminina se insira de maneira definitiva na moldura da igualdade. A lista de discriminação é extensa: as mulheres precisam provar por mais tempo sua capacidade, são mais cobradas, encontram mais dificuldades de ingressar na política, entre outros obstáculos. Mas já são responsáveis por 30% dos lares brasileiros.

O fato é que, hoje, as mulheres constituem a maioria de nossa população, somando cerca de 52%, e um eleitorado maior que os homens. Infelizmente, o preconceito ainda é bastante forte, o que exige de todos a determinação de fazer valer seus direitos em todos os ambientes, no trabalho, na política, na administração pública. No pleito presidencial de 2014, as mulheres eleitoras somaram 77,5 milhões contra 68,2 milhões de homens. Registre-se, ainda, que o gênero feminino também aumenta sua participação na política – 6.572 candidatas em 2014 contra 5.056 em 2010. Ocorre que esse é ainda um índice muito abaixo dos 30% estipulados pela legislação.

Os dados tampouco são melhores no universo empresarial. Com 16 milhões de empresas, as mulheres não possuem cargos de liderança em mais da metade, o que coloca o Brasil em terceiro lugar entre as Nações que menos promovem empregadas para cargos mais altos. Inclusive, a presença feminina em cargos mais elevados vem diminuindo. Em 2012, 26% das empresas não tinham funcionárias em posições de comando, taxa que aumenta para 33% em 2013 e 47% em 2014.

Ademais, há índices internacionais preocupantes. Como atesta um estudo do Credit Suisse Research Institute: as mulheres ocupam, em média, 13% dos altos cargos gerenciais, sendo o maior índice da América do Norte, com 15%. Essa radiografia emerge no momento em que as mulheres apresentam boa performance em muitos e complexos setores da educação e do trabalho.

Norberto Bobbio dizia: “a revolução da mulher foi a mais importante revolução do século 20”. Mas ainda não se completou.

(*) – É presidente da OAB SP.