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A política de Trump no Oriente Médio não contribui para a paz

em Artigos
quinta-feira, 01 de junho de 2017

Reinaldo Dias (*)

A recente viagem de Donald Trump ao Oriente Médio oferece a oportunidade de prever qual será a prioridade do presidente norte-americano em política externa.

O discurso de paz de Donald Trump, na realidade, passa pela guerra, pois insiste em eleger o Irã, do ramo xiita do islamismo, como o inimigo principal dos Estados Unidos e aliados na região. Não houve nenhum aceno de paz em direção ao Estado Persa que passa por um interessante processo de fortalecimento de políticos moderados que defendem uma maior abertura para o ocidente. Então, por que Trump não apoia essas mudanças no Irã?

A resposta é que na política externa predominarão os negócios, em particular, aqueles que fortalecem o complexo industrial militar norte-americano cujo interesse maior é a venda de armas, em especial tanques, artilharia, aviões, helicópteros, sistema de defesa com mísseis e tecnologia de segurança cibernética. Todas essas armas foram vendidas aos sauditas em negócios que envolveram 110 bilhões de dólares e que em dez anos poderá atingir a cifra de 350 bilhões de dólares.

Coerente com essa doutrina, o discurso de Trump buscou estabelecer uma aliança informal ente os inimigos do Irã, buscando inclusive o apoio de Israel. É a implementação do discurso simplista do “nós” contra “eles”, recurso bastante utilizado por ditaduras, regimes fascistas e populistas que visa simplificar a realidade e direcionar a ação contra um inimigo comum. Essa política só leva à radicalização, e, no limite, busca eliminar fisicamente o outro.

O discurso do presidente Trump omite questões fundamentais, como vociferar contra o extremismo islâmico mas ignorar o papel dos sauditas na sustentação do radicalismo. Todos os terroristas que atacaram o World Trade Center em 11 de setembro de 2001 eram sauditas. Os sauditas pertencem ao ramo sunita do islamismo, e integram uma corrente ultraconservadora, o wahabismo, que alimenta a ideologia do Estado Islâmico e da Al Qaeda.

De acordo com uma interpretação própria do alcorão, na Arábia Saudita as mulheres vivem uma permanente opressão, excluídas dos mais elementares direitos básicos, como o de ir e vir, dirigir, estudar, votar entre outros. Para Trump esses direitos fundamentais são detalhes, o que importa são os negócios. Nesse sentido, não emitiu qualquer palavra sobre o massacre perpetrado pelos sauditas no Iêmen, onde são combatidos os rebeldes xiitas apoitados pelo Irã, que tomaram a capital Sanaa expulsando o presidente sunita.

O bloqueio aéreo e marítimo imposto pelos sauditas mantém, praticamente, aprisionados os 27 milhões de iemenitas que não tem acesso a água e nem alimento. Desnutridos e dizimados por doenças, formam um contingente humano submetido a uma das piores crises humanitárias atuais, pouco noticiada na mídia devido ao cerco militar. Para Trump não importa o que acontece com os iemenitas, pois serão utilizados na guerra localizada, armamentos norte-americanos que assim serão consumidos, alimentando os negócios continuadamente.

O agravante é que a campanha militar empreendida pelos sauditas atinge principalmente civis, pois priorizam bombardear escolas e hospitais com o argumento de que servem de abrigo aos rebeldes. Fatos estes amplamente denunciados pela ONG Médicos Sem Fronteiras. O que acontece no Iêmen é um exemplo claro do que pode ocorrer na região com a implementação da doutrina Trump. O resultado será a multiplicação de guerras localizadas que alimentarão a disputa entre sunitas e xiitas.

Cabe aos regimes democráticos não contaminados por essa política belicista, defender a paz e a concórdia na região através de um amplo diálogo e o envolvimento de todas as partes, sem exceção.

(*) – É professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas. Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pela Unicamp. É especialista em Ciências Ambientais.