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A internação compulsória de dependente químicos: radical, mas necessária

em Artigos
terça-feira, 25 de junho de 2019

Sandra Franco (*)

Foi sancionada Lei que permite a internação involuntária de dependentes químicos sem autorização judicial. Internação sem consentimento do interessado.

Uma medida agressiva na visão de muitos, mas necessária. Pela nova regulamentação, a internação depende de avaliação sobre o tipo de droga consumida pelo dependente e será indicada “na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde”. O texto também determina que a família ou o representante legal do paciente poderão solicitar a interrupção do tratamento “a qualquer tempo”.

São diversas questões que envolvem este delicado tema: políticas públicas de saúde e de segurança, a proteção da sociedade e o direito individual. Pelos distintos enfoques já se pode notar a ausência de consenso: uma corrente acredita que a nova lei, ao permitir a internação compulsória, tira a autonomia do dependente químico em relação ao que ele pode fazer da vida dele, inclusive violando o princípio constitucional da dignidade humana e do direito de ir e vir. Isso porque a internação compulsória obrigará o usuário de drogas a um tratamento agressivo, contra a sua vontade.

Entretanto, é importante considerar que, em certos estágios, a pessoa viciada em algum tipo de substância química já não está mais ciente dos seus atos e representa um perigo para si mesma e para a sociedade. Assim, se a família ou o Estado decide que a melhor saída é a internação, para que ela possa ser reabilitada, o importante passo deverá servir como oportunidade para a saúde das pessoas que são adictas.

A dependência acarreta ou aflora inúmeras consequências negativas ao corpo humano, inclusive as chamadas comorbidades (doenças psiquiátricas associadas), como psicose, paranoia, esquizofrenia, manias, bipolaridade, entre outras. A consequência mais notória é a agressão ao sistema neurológico, provocando problemas cognitivos e, em alguns casos, oscilação de humor.

E, quando a situação fática dos mais de dois milhões de usuários apresenta um cenário degradado e insustentável, medidas como a internação involuntária podem ser plenamente adotadas dentro de um Estado de Direito, em que todos são iguais perante a lei, garantidos o direito à vida e à liberdade. A privação da liberdade de ir e vir faz-se essencial para que se vislumbre alguma possibilidade de devolver dignidade a alguns dependentes químicos, inconscientes e vulneráveis, perambulando nas ruas de muitas cidades do país.

Trata-se de um passo importante na saúde pública brasileira. Porém, não adianta criar uma lei que permita a internação compulsória se não existe uma estrutura preparada no sistema público de saúde. Sabe-se que a família do dependente químico adoece junto com ele e também precisa de uma equipe preparada para auxiliar neste momento. Tratar o dependente como um problema de saúde pública, estruturando as redes para o acolhimento do doente, buscando alternativas de tratamentos ambulatoriais e recursos extra-hospitalares.

Por se tratar de medida de exceção, mister que Ministério Público, Defensoria Pública e outros órgãos de fiscalização acompanhem as internações e tratamentos, a fim de que abusos sejam evitados. Vale frisar que a nova lei é uma grande oportunidade para retirar das ruas algumas pessoas que cometem violência e delitos vinculados ao uso de entorpecentes. Isso pode fortalecer uma nova política de segurança pública, mas sem o uso da violência o da força policial.

A saúde e a segurança são direitos garantidos para os cidadãos brasileiros e representam deveres do Estado. A dependência química é algo sério e que deve ser encarado pela sociedade de forma direta para o seu próprio fortalecimento. Precisamos evoluir e entrar em ação de forma conjunta para oferecer um futuro seguro para as futuras gerações e brecar o crescimento de um problema social grave.

Novos rumos, às vezes, exigem medidas mais duras.

(*) – Membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública; é presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde.