José Pio Martins (*)
O livro O Capital no Século XXI, de autoria do economista francês Thomas Piketty, está entre os livros mais badalados e mais vendidos dos últimos anos.
A obra causou furor no mundo inteiro, suscitou discussões intensas e, segundo dizem por aí, tornou-se um dos livros mais vendidos no planeta e um dos menos lidos. É um pouco o que aconteceu com O Capital, de Karl Marx, obra-prima dos socialistas. É um dos livros mais possuídos e um dos menos lidos da história humana.
Mas por que razão o livro de Piketty fez e continua fazendo tanto sucesso? A razão é facilmente identificável. Ele produziu um calhamaço de 669 páginas (na versão em português) em letra miúda para mostrar, numa linguagem recheada de pesquisas e estudos de bom nível, uma questão simples: se a taxa de retorno líquido do capital for superior à taxa de crescimento da economia, haverá aumento da relação entre capital e renda nacional.
Explicando: se o rendimento líquido do capital for, por exemplo, 5% ao ano e o crescimento da renda nacional for 2%, haverá concentração da riqueza (renda nacional é igual ao produto nacional, e os termos riqueza e capital são equivalentes). Deixando tecnicalidades de lado, Piketty quis provar que a tendência é o aumento da desigualdade entre a renda do trabalho e a renda do capital.
Aumento de desigualdade não é igual a aumento de pobreza. Se a renda de um país cresce de forma que até o mais pobre dos habitantes eleve seu padrão de vida, o aumento da desigualdade não aumenta a pobreza. Mas, afora essa questão, Piketty argumenta que no futuro os ativos do mundo (expressão equivalente a patrimônio e riqueza) poderão ampliar a desigualdade entre os que possuem e os que não possuem nada.
O diagnóstico tem sentido. O equívoco está na solução proposta por Piketty. Ele propõe duas medidas. A primeira medida seria a criação de uma alíquota de 80% de imposto de renda para rendimentos acima de determinada faixa. A segunda seria uma espécie de CPMF (um imposto sobre patrimônio) sobre a posse de ativos em todo o mundo. A proposta é tão ingênua quanto ineficiente.
O erro está numa questão fundamental: estranhamente, Piketty acredita que a montanha de dinheiro carreada para os cofres públicos com sua proposta iria para os pobres do mundo. Ora, o Estado racional, eficiente e bondoso só existe nos livros. Na vida real, quando há elevação de tributo, o Estado paga primeiramente a si mesmo, aumentando gastos com os funcionários que o tripulam e com os políticos que o manipulam. Somente uma fatia menor vai para os pobres, longe de reduzir as desigualdades na proporção do que é arrecadado.
Uma segunda parte do dinheiro sumirá nos escaninhos da corrupção. Uma terceira parte irá pagar o inchaço da máquina estatal com os salários acima do setor privado, as aposentadorias e pensões generosas que os pagadores de impostos nunca terão. Uma quarta parte será desperdiçada na ineficiência gerencial dos serviços públicos. Quem mostra que o governo é concentrador de renda é o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, portanto insuspeito.
Não se trata de um problema de pessoas. O problema é o sistema. O Estado não é racional, não é eficiente, não é bondoso e não é isento. Se o problema do mundo é a concentração da riqueza, melhor seria democratizar a propriedade por meio de um sistema de distribuição de quotas de capital diretamente aos trabalhadores, sem passar pelo orçamento do governo. Esse é o debate que eu gostaria de fazer.
(*) – Economista, é reitor da Universidade Positivo.